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Os dias agora passam mais devagar para Barry Sonnenfeld, produtor e diretor da franquia “MIB : Homens de Preto”, responsável pela bilheteria mundial de US$ 1,9 bilhão entre 1997 e 2019.
Desde que os estúdios de Hollywood fecharam as portas para frear o avanço do novo coronavírus, o produtor está isolado em sua casa em Telluride, cidade de pouco mais de 2 mil habitantes nas Montanhas Rochosas do Colorado, nos Estados Unidos. “Faço caminhadas com a minha mulher e com o cachorro, além de comer e beber”, afirma o produtor de 67 anos.
Com uma carreira de quase quatro décadas na indústria do cinema, Sonnenfeld é obrigado, pela primeira vez, a ficar de braços cruzados. Antes da quarentena, o produtor se dedicava ao projeto de “Disenchanted”, continuação da comédia da Disney “Encantada”, que arrecadou US$ 340,5 milhões em 2007, ao trazer uma princesa de contos de fadas (Amy Adams) para morar na frenética Nova York. “Estamos no limbo até podermos fazer filmes novamente. No nosso caso, pelo menos nenhum dinheiro foi gasto, além da contratação de roteiristas”, diz o produtor ao Valor.
O diretor teme pelo futuro do cinema. Sem uma vacina disponível, é possível que o público continue com receio de se fechar em um ambiente escuro e sem janela na companhia de estranhos, mesmo quando a pandemia da covid-19 acalmar, flexibilizando assim o isolamento social.
“As salas de exibição estão em apuros. O conteúdo está cada vez mais direcionado ao ‘streaming’, para que as pessoas o vejam no conforto de suas casas. Ainda mais na quarentena”, afirma Sonnenfeld, envolvido em projeto da produtora Gotham Group, de leitura para crianças no YouTube. “Acho que ainda vai demorar pelo menos um ano até que o público considere frequentar os cinemas de novo. Mas posso estar errado”, diz.
Ninguém sabe como a indústria cinematográfica vai se recuperar diante da crise. Com o novo coronavírus em cena, os estúdios suspenderam as filmagens em andamento e foram obrigados a adiar os seus lançamentos. Os exibidores tiveram de fechar suas salas, e os festivais de filmes acabaram cancelados ou alterados, incluindo o maior do mundo, o de Cannes.
Enquanto isso, o público, isolado em casa, se aproxima mais do “streaming”. Até a Academia de Hollywood foi forçada a mudar as regras, anunciando que obras lançadas apenas digitalmente em 2020 serão elegíveis ao próximo Oscar.
“As bilheterias da América do Norte registraram US$ 11,4 bilhões em 2019. E no momento já estamos com arrecadação 51% menor do que a obtida até este ponto [mês de maio], no ano passado”, afirma Paul Dergarabedian, analista sênior da Comscore. “Naturalmente, a cada semana em que os cinemas permanecem fechados devido à pandemia, o déficit de bilheteria ano a ano cresce.”
A estimativa de queda de 50% foi feita em um cenário positivo, imaginando um público disposto a voltar aos cinemas quando a quarentena acabar. Do contrário, o impacto será maior.
“Só a renda obtida nos meses de verão americano [de junho a setembro], que constitui grande parte da bilheteria geral, deve cair entre 36% e 40%. E isso nem leva em consideração a possibilidade de as salas reabrirem com menos de 50% de capacidade de assentos, talvez perto de 25%. Se a situação não melhorar rapidamente no outono [de setembro a dezembro], a queda no ano ficará entre 50% e 75%”, diz Jeff Bock, analista sênior da Exhibitor Relations, de Los Angeles.
O impacto do vírus na venda de ingressos no mundo, que alcançou o recorde de US$ 42,5 bilhões em 2019, é ainda mais difícil de antecipar. “Só dá para fazer uma estimativa mais grosseira: de queda entre 35% e 75%”, afirma.
Tudo depende do que acontecerá nos próximos seis meses, em termos de avanços no combate ao vírus e da disposição do público de ir aos cinemas sem uma vacina. “São fatores desconhecidos nessa equação. É pouco provável que os estúdios lancem mais do que um punhado de filmes em 2020, se o público não responder bem aos primeiros. Ninguém vai arriscar gastos massivos com publicidade à toa”, diz o analista.
Será que as pessoas vão querer ir ao cinema usando máscaras e luvas, além de medir a temperatura na entrada? “Meu palpite é: não. O espectador médio não vai. E certamente as famílias também não, o que complicará ainda mais para o setor multiplex, que depende muito desse conteúdo. Filme infantil pode ser um grande problema no futuro”, afirma.
“Experiências em família no cinema talvez sofram. Mas a necessidade de histórias não vai desaparecer”, diz o cineasta Daniel Rezende.
No Brasil, a estimativa de prejuízo neste ano para as salas nos shopping centers é de R$ 1,2 bilhão. O valor foi calculado pela Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex). “É uma conta simples. Para 2020 havia a projeção de pequeno crescimento em relação ao ano passado, encerrado com renda em torno de R$ 2,2 bilhões. Como ficaremos quase cinco meses com receita zero e consideramos que o retorno se dará lentamente, projetamos uma perda de meio ano”, diz Caio Silva, diretor-executivo da Abraplex. “Se houver alguma revisão no valor do prejuízo, com certeza será para pior.”
É esperado um “efeito dominó” sem precedentes quando os cinemas reabrirem. Entre os “blockbusters” com lançamento adiado, alguns só devem entrar em cartaz um ano depois, como “Velozes e Furiosos 9” - passando de abril de 2020 para o mesmo mês em 2021. Ou foram programados para seis meses depois, como “Viúva Negra”, que teve a data transferida de 1º de maio para 6 de novembro, e “Top Gun : Maverick”, passando de 24 de junho para 23 de dezembro.
“Tenho medo de que alguns filmes se percam na enxurrada de títulos lançada quando tudo isso acabar”, diz Steven Bernstein, cineasta, produtor e diretor de fotografia radicado em Los Angeles.
O produtor James D. Stern elogiou os serviços de streaming.
“É uma vantagem produzir para o ‘streaming’. Nos últimos dois anos, essas plataformas se tornaram cada vez mais o refúgio dos filmes”, diz Stern, referindo-se ao fato de “blockbusters” dominarem os cinemas do mundo, sobretudo os de conceito multiplex. “O ‘streaming’ dá aos cineastas um lar para seus projetos, trabalhos que teriam dificuldade para chamar a atenção dos grandes estúdios. E a pandemia atual levou o público a consumir ainda mais esse conteúdo.”
Quando os cinemas forem reabertos, o “streaming” não só estará mais forte como as estratégias dos estúdios de Hollywood poderão mudar em relação ao circuito exibidor. A Universal ter apostado diretamente nas plataformas digitais, com o lançamento de “Trolls 2” na América do Norte, em 10 de abril, provou que grandes lançamentos não precisam necessariamente das salas tradicionais.
Enquanto a animação original, lançada em 2016, levou três meses para arrecadar US$ 153 milhões no circuito americano (onde o exibidor fica com cerca de 50% da renda), a continuação já ultrapassou os US$ 100 milhões no VoD, vídeo sob demanda - setor que costumar reter 20%.