https://valor.globo.com/empresas/notici ... hora.ghtml
No mercado de luxo, o denim, o tecido do jeans, está em alta. Na última temporada de moda internacional, surgiu com força nos desfiles das grifes Celine, Maison Margiela, Chanel e Saint Laurent.
No Brasil, após cinco anos de negócios fracos, agravados pela mais profunda recessão que o país já enfrentou, o mercado dá sinais de recuperação.
A receita da indústria com as vendas de denim e sarja neste ano é estimada em R$ 7 bilhões, repetindo o valor do ano passado. Em 2017, chegou a R$ 7,8 bilhões. O valor encolheu, basicamente, por dois motivos - o consumidor no Brasil reduziu as compras e a Argentina, um mercado importante para o denim brasileiro, passou a usar o tecido produzido localmente.
Neste ano, o primeiro semestre foi frustrante, segundo fontes ouvidas pelo Valor. Mas a segunda metade do ano mostra certa reação. O consumidor voltou às lojas - o mercado doméstico absorve 95% da produção de denim.
Para a principal indústria têxtil do segmento, a Vicunha, há motivos para comemorar. A empresa estima lucro próximo a R$ 90 milhões neste ano, ante os R$ 53 milhões de 2018. “Esperávamos passar dos R$ 100 milhões, mas a economia não cresceu tanto”, diz o novo presidente da empresa, José Maurício D’Isep, que substituiu em janeiro Ricardo Steinbruch no comando da operação.
Segundo o executivo, um dos planos é que as exportações para a Europa respondam por 10% do faturamento da Vicunha nos próximos anos. Hoje, essa fatia é de 5%, seguindo o padrão da indústria como um todo. Da produção total de denim no país, considerando todos os fabricantes, cerca de 95% abastece o mercado doméstico.
Na Vicunha, o tecido premium, mais demandado pelos clientes europeus, representa 15% da capacidade de produção, estimada em 200 milhões de metros lineares por ano. Este volume representa 30% da capacidade da indústria nacional. As fábricas têm operado com cerca de 75% dessa capacidade, mas se espera ampliar essa fatia a partir de 2020.
Com a entrada de D’Isep, a empresa passará a investir em serviços para o cliente porque, para ele, “só produto não te diferencia mais”. A Vicunha vai vender logística, personalização de produtos e assistência técnica para os compradores, além de um centro de pesquisa em lavagens, cujo investimento da ordem de US$ 15 milhões deve sair do papel ainda neste ano.
“O Brasil tem um modelo europeu de um varejo de grandes cadeias, como Marisa, Riachuelo e Renner, as quais atendemos. Estou torcendo por uma fragmentação maior, porque quero atender nichos, produtores pequenos e grandes que encontrem todas as soluções para denim conosco. É um pouco arrogante, ambicioso, mas chamamos de ‘one stop shop’ [única parada de compra]”.
No horizonte também está o desejo de abrir confecções em países europeus, onde a empresa não concorra com os próprios clientes.
É fato que, com o agravamento da crise econômica brasileira, em 2015, o Brasil perdeu as primeiras posições no ranking mundial de produtores de denim, hoje ocupadas por Turquia, China e Paquistão. Não há dados oficiais, mas os fabricantes ouvidos pelo Valor confirmam o movimento. Nos últimos anos, por exemplo, a divisão brasileira da indústria têxtil japonesa Toyobo e a brasileira Horizonte não sobreviveram à recessão.
A diferença que se nota desde 2016 foi a consolidação de planos para se diferenciar, algo que os turcos fizeram ao investir no segmento de luxo para abastecer a Europa dominada pela Ásia, e menos apostas em tecidos simples, com preços na casa de uma dezena de reais por metro.
O mantra dos executivos das empresas, agora, é o de “não ser o maior, mas sim o melhor”. No caso da Santista, que em dezembro do ano passado assinou acordo de venda de toda sua operação para a gigante mexicana Siete Leguas, após a mesma empresa ter comprado, em 2015, suas duas fábricas no México e uma que mantinha no Marrocos, ser melhor significa apostar nos diferenciais de sua produção que completou 90 anos neste mês.
As 12 receitas de tingimento - a mais famosa é a lázuli, de azul intenso - e o processo de tingimento em corda, moroso por embeber apenas 400 fios por vez e, por isso, mais caro, fazem um metro do tecido chegar a R$ 22. São esses tecidos que representam a maior fatia dos 8% de toda a produção da Santista destinada ao exterior.
Segundo o presidente da companhia, Gilberto Stocche, a compra da Santista pela Siete Leguas, cuja subsidiária de confecção produz para grifes como Levi’s, Ralph Lauren e Target, já repercute em investimentos no Brasil. A Santista comprou cem máquinas largas para a produção de denim com elastano. A máquina larga reduz desperdício de tecido e aumenta a produtividade na mesa de corte.
A dívida líquida da empresa, segundo o executivo, está em “apenas” R$ 45 milhões e o prejuízo, que foi de R$ 140 milhões em 2018, deve ter uma redução de 70% neste ano. “Não tivemos lucro porque investimos em maquinário, mas já devemos reverter o cenário no próximo ano. É um momento de ajustes e de olhar o futuro próximo. O pior já passou”.
Fábio Vasconcelos, CEO do grupo PVH, dono da marca Calvin Klein no Brasil, diz que o denim nacional já não deixa a desejar em relação aos tecidos turco e italiano, que abastecem grifes de luxo. “Como o Brasil consome a maior parte do próprio denim, houve um atraso nos investimentos em inovação, mas isso ficou no passado à medida que as empresas se modernizam".
Neste ano, até outubro, os argentinos compraram tecidos mais baratos e ajudaram a puxar as exportações de denim para baixo. O Brasil exporta cerca de 5% da produção de denim.
Com a crise severa em seu país, as confecções argentinas preferiram comprar localmente em vez de importar do Brasil. “A Argentina, hoje, significa de 20% a 25% das exportações. E para desfazer essa dependência no mercado latino, a estratégia de internacionalização das empresas é relevante e deve se intensificar com o acordo entre Mercosul e Europa”, disse o presidente da Associação da Indústria Têxtil e de Confecção, Fernando Pimentel.