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Um estudo recém-divulgado revelou o que, seguramente, ninguém no meio literário gostaria de ouvir : 18% dos universitários da Região Metropolitana de São Paulo não lêem livros e 16% o fazem apenas de vez em quando.
Outra descoberta : 55% dos entrevistados contaram que preferem se dedicar à leitura de livros essencialmente didáticos.
Encomendado pelo Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) à empresa de pesquisa Toledo & Associados, o levantamento ouviu 1.104 estudantes de um universo de 680 mil alunos, resultado que coloca a nu a real situação da leitura no Brasil.
Se o desinteresse pelo livro tem essa dimensão na região mais rica do país, onde existem dezenas de universidades e as grandes editoras e livrarias têm seu domicílio, não é sensato esperar que a situação seja melhor em outros pontos do território nacional. É certo que o hábito da leitura alimenta o saber de pessoas de, basicamente, todos os segmentos da sociedade; porém, é natural supor, os estudantes de cursos superiores deveriam nutrir interesse especial pelo livro.
E isso por simples e compreensíveis razões: não só eles estão encarapitados num dos mais elevados degraus do ensino, posição ainda hoje ocupada por uma pequena e privilegiada porção de brasileiros, como a própria leitura é parte da educação.
A pesquisa do Ciee não esclarece tudo, mas lança luzes sobre o ainda pouco explicado motivo de o Brasil ocupar lugar de menos prestígio no ranking dos maiores leitores de livros do planeta. Na nação do festejado Paulo Coelho, um dos autores mais vendidos no mundo,
o índice de leitura é baixo : 1,8 livro por habitante no período de um ano, incluindo aqui a categoria didática, que responde por pouco menos de 40% do volume total comercializado.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos a média é de cinco livros, na França, sete e na Colômbia 2,4.
"Os números referentes à leitura são trágicos, mas acredito que poderemos mudá-los", diz confiante a presidente da CBL, Rosely Boschini, informando que a pesquisa "Retrato da Leitura no Brasil", efetuada em 2001 com pessoas alfabetizadas maiores de 14 anos de idade, mostrou que 61% dos brasileiros adultos têm muito pouco ou nenhum contato com o livro.
O estudo foi realizado pela CBL em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), a Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) e a Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa).
"O ideal é que tivéssemos 90% de leitores sistemáticos", afirma o escritor Hernâni Donato. "Mas, em nenhum tempo, nenhum lugar, nenhum povo sequer se aproximou desse índice."
Autor de 72 livros e famoso ficcionista, com romances da importância de Selva Trágica, Chão Bruto e Filhos do Destino, Donato comenta que ainda há muito a fazer para aumentar o número de leitores.
A resposta está de certa forma consubstanciada na
irrisória demanda per capita por livros no Brasil.
É certo que outras causas têm ajudado a dar sustentação a esse estado de coisas, a começar pelo analfabetismo. Pelo menos é assim que a questão é encarada por algumas das pessoas ouvidas pela reportagem de Problemas Brasileiros. "Temos 16 milhões de analfabetos, o que não é pouco. Se juntarmos mais 50 milhões de semi-alfabetizados, o número se torna ‘atômico’ ", frisa Arnaldo Niskier, dono da cadeira 18 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Levi Bucalem Ferrari, presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), não tem dúvida: o analfabetismo concorre, enfaticamente, para os baixos números exibidos pelo setor. "E,
como os leitores não são muitos, as tiragens são menores, levando ao encarecimento do preço unitário do livro", observa Ferrari, sociólogo e cientista político, autor de O Seqüestro do Senhor Empresário, prêmio revelação da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1998. Niskier assinala, porém, que não é correto debitar o infortúnio do setor apenas ao analfabetismo, que, a despeito de elevado, recua, mesmo que paulatinamente.
Ex-secretário de Educação e Cultura do estado do Rio de Janeiro e senhor de uma vasta bibliografia (apenas para o público infanto-juvenil são mais de 40 títulos), ele afirma que o livro deveria ser mais barato, lembrando que quem comparece a eventos como bienais ou festas literárias, a exemplo da que acontece em Parati (RJ), verifica que a visitação é espetacular, mas as vendas não acompanham o fenômeno. "Vê-se muito e compra-se pouco. Falta de dinheiro, livros caros, tudo se mistura para criar restrições aos bons resultados", observa Niskier.
"Não acredito que o empresário veja alguma vantagem em impor preços abusivos aos livros", diz Torelli, contrapondo-se ao reclamo geral de que são caros. "A precificação é tratada hoje como um assunto sério, que pode decidir a longevidade da obra no mercado. É lógico que numa sociedade como a nossa, com um dos maiores índices de concentração de renda do mundo, não só o livro, mas o teatro, o cinema, enfim, toda atividade cultural pesa no bolso de boa parcela dos brasileiros", observa o presidente da ABDL. R
aul Drewnick, autor de obras infanto-juvenis, tem a mesma visão sobre o assunto. "A afirmação de que o livro é oneroso é relativa", argumenta. "Não será difícil encontrar quem, não gastando um centavo em livros por ano, se pendure num telefone para, com ligações pagas, eliminar este ou aquele participante de um Big Brother", diz. Jornalista e escritor de muitos títulos, uma série deles da coleção Vaga-Lume, da Editora Ática (Um Inimigo em Cada Esquina, Vencer ou Vencer, O Preço da Coragem, A Grande Virada, Correndo contra o Destino e A Noite dos Quatro Furacões), Drewnick comenta que o panorama atual, no Brasil, é dramático, porque as famílias, destroçadas social e economicamente, não vêem o livro como prioridade e nem mesmo o têm entre os chamados objetos supérfluos ou de entretenimento, como CDs e DVDs, por exemplo. "E, certamente, há um grande número de casas em que encontrar um livro seria uma difícil tarefa; mesmo os didáticos, depois de esgotado o ano letivo, são postos fora de vista, descartados como se sua utilidade estivesse já definitivamente vencida."
A jornalista Milu Leite, que ganhou em 2006 o Prêmio Jabuti (terceiro lugar na categoria infanto-juvenil) com o livro O Dia em que Felipe Sumiu, realça que, além do preço, o problema ainda envolve a distribuição e a divulgação. "Há uma oferta grande de títulos, a distribuição é confusa e a divulgação de obras brasileiras por parte da mídia é ínfima, para não dizer que não existe", assevera, referindo-se aos livros escritos para crianças e adolescentes.
Não são poucos aqueles que apontam a herança cultural quando instigados a explicar a falta de atração pelo livro, brandindo o argumento de que representamos um povo avesso à leitura. Também nesse caso não há consenso. "O problema não é cultural", contesta João Arinos, presidente da Abrelivros e diretor-superintendente das editoras Ática e Scipione. "É muito mais educacional do que qualquer outra coisa", diz.
A Abrelivros é a entidade que defende os interesses do setor de livros didáticos e paradidáticos, o qual recentemente fechou vendas de 158,4 milhões de exemplares que serão utilizados em 2008. Arinos acentua que a escola deveria incutir na criança o hábito de ler. "
A maior parte dos pais não cultiva o gosto pela leitura, portanto, temos de começar pelos bancos escolares." Ele lembra que as escolas já mantêm suas portas abertas às crianças de zero a 10 anos de idade e que, como os professores atendem a 25 alunos, em média, em cada sala de aula, "podemos conseguir um efeito multiplicador". Na mesma linha de raciocínio trafega Torelli, destacando que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) conseguiu enfocar de maneira magistral a questão ao mostrar que, para formar leitores, um país deve trabalhar e desenvolver três importantes vertentes: o livro deve estar em um lugar privilegiado no imaginário do povo, é essencial que existam famílias em que se leia e a escola deve saber formar leitores.
O despertar do gosto pela leitura, definitivamente, passa pelas mãos dos professores, e há uma quase unanimidade quanto a isso. "Se as escolas, diariamente, afincadamente, sabiamente, ensinassem a ler para além das lições básicas e a estimar a língua materna, a criatividade e a riqueza do saber pelo saber, haveria mais leitores", opina Hernâni Donato. Niskier compartilha do mesmo modo de ver. "O papel da escola agiganta-se ante a importância da leitura para a educação", ele diz, afirmando que é preciso, porém, colocá-la em posição privilegiada. "Há muito que ser renovado no conteúdo e na prática", sugere o autor de Problemática da Educação Brasileira. Niskier também salienta que, desgraçadamente, nossa escola é formal, quadrada e destituída de atrativos (com algumas exceções). "É preciso uma nova educação", afirma. Raul Drewnick bate na mesma tecla. Ele observa que
o professor, submetido a duras e mal-remuneradas jornadas, geralmente não lê e, não lendo, não pode indicar livros nem estimular nos alunos o hábito da leitura.
Mas isso não é tudo, segundo o escritor. "Nem todas as escolas dispõem de bibliotecas e muitas das que as têm não as abrem para os alunos sob a alegação de que eles destruiriam os livros", lastima-se.
É certo que a mudança terá de ser radical, e terá de dotar o professor de meios para que cumpra as funções que se esperam dele. Em tese, cabe à mesma pessoa incumbida do ensino da leitura e da escrita a tarefa de desenvolver a atração pelo livro. "A leitura, em geral, é um ato solitário. Quando lemos nos distanciamos do mundo exterior e viajamos dentro de nós e para lugares às vezes inexplorados e surpreendentes", observa Torelli. Ele afirma que nas crianças esse espaço interior ainda é totalmente virgem e que a curiosidade pelo desconhecido é muito grande. "Se pais e mestres compreenderem esse estado de encantamento e souberem aproveitá-lo para introduzir a experiência da leitura, testemunharemos o nascimento de uma nova consciência, muito mais rica e dinâmica, que poderá mesmo transformar nosso país", prognostica, fazendo lembrar aqui a famosa frase de Monteiro Lobato: "Uma nação se faz com homens e livros".