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A composição do preço do iPhone no Brasil é complexa.
Não basta apenas converter o preço da moeda americana para o real.
Nos Estados Unidos, o modelo mais simples do iPhone 11, com 64 GB de armazenamento interno, começou a ser vendido no mês passado por US$ 699 (cerca de R$ 2,9 mil) – US$ 50 a menos que no ano anterior.
Os iPhones 11 que chegam às lojas brasileiras nesta sexta-feira são todos importados – geralmente, versões fabricadas nopPaís demoram pelo menos três meses após o lançamento para serem feitas aqui, por conta de adaptações na linha de montagem, localizada na fábrica da Foxconn em Jundiaí (SP).
Para entender como a Apple chega ao preço do iPhone no Brasil, a reportagem pediu ajuda a especialistas em tributação para descobrir quais são os impostos que incidem sobre o aparelho e como eles afetam seu valor final.
O cálculo abaixo, feito pelo escritório Zilveti Advogados, calcula o quanto a importação pesa no preço final do produto – entre gastos com frete e seguro, taxas de importação e tributos como o Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Pelas contas do escritório, o modelo mais simples do iPhone 11, com 64 GB de armazenamento, custaria pouco mais de R$ 5,5 mil aqui. “É uma estimativa grosseira”, ressalta Roberto Codorniz, advogado tributarista e um dos responsáveis pelo cálculo. O advogado explica que o custo real de importação do produto é ignorado, já que esse valor não é tornado público pela Apple.
Justamente por isso, para fins didáticos, é levado em consideração o preço aplicado ao consumidor após toda a cadeia (produção, montagem, software e varejo, por exemplo) de US$ 699 – maior do que o praticado pela empresa ao importar seu produto, afinal não faz sentido a Apple pagar tributos sobre sua própria margem de lucro.
No fim das contas, 52% do valor final de um smartphone vem dessa cadeia de importação, segundo o tributarista Danilo Leal, do escritório ASBZ. Ele afirma que esse valor é alto quando comparado com outros lugares onde o consumo não tem tanta importância na tributação.
E isso faz os preços finais dos produtos ficarem mais caros. “Quando você compara com as economias desenvolvidas, via de regra, a tributação mais elevada é sobre a renda”, diz, citando que o Imposto de Renda sobre empresas e pessoas físicas é mais alto nos Estados Unidos, ao passo em que o consumo é pouco tributado. “É a parte ruim do nosso sistema tributário."
Se a importação é cara, trazer a produção para o País reduziria esses custos ? Nem sempre.
Em alguns casos (a depender de diversos fatores, como custo trabalhista e de burocracia, por exemplo), produzir localmente pode não compensar. “A produção local reduz a carga tributária, mas tem um custo maior comparado com outros países, como a China”, explica. “É uma bizarrice do sistema, que deveria funcionar para desestimular importações.”
Ainda assim, o mercado brasileiro tem público em potencial atrativo para a Apple. Ao longo do tempo, com a evolução do iPhone (e a popularização dos smartphones como um todo), Steve Jobs teria queimado a língua. Anos depois de sua morte, a Apple abriria não só uma, mas duas lojas no País. A primeira veio em 2014, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A segunda, no ano seguinte, no Morumbi Shopping, em São Paulo.
Instalar lojas em bairros de alto padrão nas duas maiores cidades brasileiras é algo que tem significado para a Apple. É uma questão de DNA da marca : desde sua fundação, em 1976, a empresa sempre produziu e vendeu produtos mais caros do que os da concorrência. A justificativa é que esse é o preço que se paga (literalmente) por “ótimos” produtos, nas palavras do atual presidente da companhia, Tim Cook.
Segundo Patricia Diniz, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e especialista no mercado de luxo, a Apple manteve essa tática ao entrar no mercado local. "O iPhone sempre foi um produto altamente desejável. Por que não aproveitar isso e conseguir margens de lucro maiores ?".
A estratégia chegou ao ápice em 2018, quando a empresa bateu US$ 1 trilhão em valor de mercado, ao conseguir faturar mais vendendo menos aparelhos do que em temporadas anteriores – foi a época do iPhone de US$ 1 mil (aqui no Brasil, modelos chegaram a custar até R$ 10 mil!).
No início deste ano, a empresa viu a festa virar ressaca quando os altos preços resultaram em baixas vendas e, por consequência, queda de até 10% em suas ações na Bolsa. “A curva na qual eles vinham, de manter o número de consumidores com produtos mais caros, se reverteu”, explica. Tanto que, desde 2018, a empresa deixou de divulgar o número de unidades de vendidas para anunciar a receita por aparelho.
Ainda assim, a tática de luxo da Apple ainda faz sentido em mercados como o brasileiro – onde há um perfil de consumidor "muito ligado à ostentação". "Para esse consumidor, o preço é um indicador de prestígio e marca o pertencimento (a uma classe mais alta)", afirma.
Analista da consultoria IDC Brasil, que mede vendas de celulares no mercado nacional, Renato Meireles concorda. "Nosso consumidor tem a cultura de que o bom produto é mais caro", diz. Mas ele pondera que o mercado de smartphones, de modo geral, tem passado por uma mudança : a marca já não é mais um fator decisivo para a compra do aparelho. O que o usuário busca mesmo, diz Renato, são câmeras, processadores e telas melhores, além do custo-benefício, sem se importar com o símbolo que orna o aparelho.
No segmento de smartphones premium (de R$ 3 mil a R$ 5 mil) ou superpremium (acima de R$ 5 mil), o logotipo tem, sim, um peso. E é justamente onde a Apple atua, embora a empresa esteja ultimamente mais seguindo tendências de sucesso da concorrência, como câmera tripla e telas cada vez maiores, do que lançando novidades. "A Apple não tem trazido coisas novas, mas reembalado as funcionalidades de outras marcas em uma experiência mais interessante", disse Eduardo Pellanda, professor da PUC-RS, ao Estado em setembro, quando o iPhone 11 foi anunciado.
Há ainda um último fator que afeta o desempenho da Apple no Brasil : a escala de distribuição. É uma conta simples de entender : quanto mais aparelhos uma empresa vende, melhores são as negociações com varejistas, distribuidores e operadoras para baratear seu custo.
Rivais como Samsung e Motorola, que têm aparelhos em diversas faixas de preço, conseguem vender “pacotes por atacado” de forma mais eficaz que a Apple, restrita ao segmento premium.
Por estar apenas nas faixas de preço mais caras, a Apple também vende menos que as concorrentes no País – em 2018, segundo apurou o Estado com fontes do mercado, Samsung e Motorola concentraram três quartos da venda dos smartphones no Brasil.
Já a Apple, há alguns anos, gira em torno de 5% – uma mordida muito tênue na maçã tenra que é o mercado de smartphones brasileiro, um dos maiores do mundo, com pelo menos 40 milhões de unidades vendidas anualmente.