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A discussão sobre o tamanho ideal do Estado pode ser avaliada comparando o desempenho nacional ao de outros países. A conclusão é esta : não, o Brasil não tem funcionários públicos em excesso. E, sim, o Brasil gasta mais do que deveria com o funcionalismo.
Um em cada oito brasileiros (aproximadamente 12% do total) trabalha para o Estado — no nível municipal, estadual ou federal.
O número de funcionários públicos está abaixo da média global de 17% calculada pelo Banco Mundial.
Porém, o que deve ser discutido é a eficiência do gasto público.
Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil gasta uma proporção elevada do seu PIB (Produto Interno Bruto) para manter a máquina pública. Pelos dados mais recentes, de 2021, o governo do Brasil consome 35,9% de tudo o que é produzido no país. O valor está acima do praticado por Chile, Paraguai, Uruguai, Peru, Colômbia e Venezuela.
Na América do Sul, apenas a Argentina, com 37,83% gasta uma proporção maior do PIB com o funcionalismo do que o Brasil.
Em 2017, um relatório do Banco Mundial diagnosticou os principais problemas do gasto público no Brasil. A frase de abertura resume a situação: “O governo brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal”.
O maior desafio, de acordo com o estudo, eram os gastos com previdência (cujo déficit tem uma contribuição desproporcional dos servidores públicos). Em 2019, o Congresso aprovou uma proposta de que aliviou esse peso.
Depois da Reforma da Previdência aprovada pelo Congresso Nacional, a medida de maior impacto proposta no relatório era a redução da disparidade salarial entre servidores públicos e os trabalhadores do setor privado.
Porém, o Congresso até agora não aprovou mudanças significativas nesse aspecto da legislação.
O maior sinal de má aplicação dos recursos é a disparidade entre os salários no setor público e nas empresas privadas. Essa diferença recebe o nome de “prêmio” no jargão técnico.
Um levantamento do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostrou que, em 2019, a remuneração média de um funcionário da União era de R$ 10,3 mil, ante R$ 5,2 mil do nível estadual e R$ 3 mil no nível municipal. No mesmo ano, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o salário médio do brasileiro foi de R$ 2.975.
Esse problema persiste mesmo quando se consideram funções similares, que exigem um grau de escolaridade parecido. Por exemplo: o cargo de coordenador jurídico paga mais de R$ 30.000 no governo e menos de R$ 10.000 no setor privado, em média. “O prêmio salarial dos servidores públicos federais brasileiros é atípico para padrões internacionais, e o prêmio salarial dos servidores estaduais encontra-se entre os mais altos do mundo”, afirma o relatório do Banco Mundial sobre o tema. O problema é tão sério que tem consequências diretas sobre a desigualdade no país.
Pior : os números do Banco Mundial mostram um aumento dessa disparidade nas duas últimas décadas no Brasil. Como um possível remédio, a entidade sugere uma redução gradual de salários a partir dos novos ingressantes no serviço público (já que, pela Constituição, não pode haver redução no salário de servidores empossados no cargo).
Um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) publicado em 2020 concluiu — assim como o FMI — que o Brasil tem o segundo maior gasto público da América Latina.
No mesmo ano, uma nota técnica da CNI (Confederação Nacional da Indústria) também atestou o alto custo do funcionalismo público no Brasil — apesar de o número de funcionários abaixo do que deveria ser : "O Brasil não tem um número muito elevado de servidores públicos em proporção da população ou do total de trabalhadores; contudo, as despesas totais com esses trabalhadores (ativos e inativos) são elevadas e representam percentual do PIB próximo, ou até superior, ao de países ricos e reconhecidos pelo tamanho grande do Estado”, diz o documento.
Um estudo elaborado pelo Instituto Millenium, um think tank de tendência liberal, chegou a conclusões parecidas a respeito do peso do funcionalismo. O levantamento acrescenta um argumento importante sobre o alto salário dos servidores: eles já entram no cago ganhando um valor alto e, salvo exceções, têm poucas perspectivas de receber acréscimos por desempenho ou mérito. Ou seja : o incentivo a uma boa performance é quase zero. “Ao ter um salário inicial elevado, o setor púbico federal promove incentivos incorretos em termos de eficiência, tanto por permitir que funcionários sem tanta experiência de mercado tenham prêmios salariais altos, quanto por não ter um crescimento significativo para os salários finais”, aponta o levantamento.
O relatório também calcula o impacto da disparidade salarial entre servidores públicos e trabalhadores do setor privado: se os 30 cargos mais numerosos do serviço público recebessem um valor equivalente ao que se paga pela mesma função em empresas privadas, o Estado brasileiro economizaria cerca de R$ 15 bilhões por mês.
As despesas obrigatórias, somadas a gatilhos de aumentos salariais, deixam o governo com pouca margem para reduzir despesas. Segundo o relatório do Banco Mundial, aproximadamente 92% das despesas do governo federal são obrigatórias. Mais uma vez, na comparação com vizinhos, o Brasil aparece numa situação pior : o índice é de 65% no Chile, 82% no México e 84% na Colômbia.
Essa falta de flexibilidade na aplicação dos recursos se reflete na baixa efetividade do governo. O índice que mede a eficácia governamental, compilado pelo Banco Mundial, dá ao Brasil uma nota de -0,46, numa escala de -2,5 a 2,5. O desempenho está abaixo de países da América Latina como Chile (0,63), Peru (0,26), Colômbia (-0,05) e México (-0,31).
Ainda assim, se souberem aproveitar oportunidades, os gestores públicos brasileiros podem promover um salto de produtividade sem que seja preciso mudar a lei. O progresso tecnológico, a expansão do trabalho remoto e, mais recentemente, o avanço da inteligência artificial têm mudado o mercado de trabalho.
Assim como os cargos de ascensorista foram gradualmente extintos dos órgãos públicos, algo semelhante pode acontecer com outras funções. Além disso, novas ferramentas podem aumentar a produtividade dos funcionários e, assim, reduzir a necessidade de novas contratações. O quanto isso vai afetar as despesas com o funcionalismo depende da capacidade do Estado brasileiro de se ajustar à nova realidade.
“O aumento da digitalização das atividades do setor público vai aumentar a eficiência e diminuir a necessidade de servidores para exercer algumas profissões que não serão mais tão relevantes ou necessárias para o exercício das atividades do setor público”, prevê o professor José Dantas, da Universidade de Brasília.
Resta saber com qual velocidade o serviço público brasileiro vai se adaptar ao novo cenário.