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Em jantar com empresários, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que é ilusório achar que a reforma administrativa trará uma significativa redução de despesas públicas. “Não acho que a reforma administrativa precisa ir na frente. É ilusório achar que a reforma administrativa vai ter grandes ganhos em cortes de despesas. Melhor que a reforma administrativa é digitalizar serviços. Podemos atacar penduricalhos (de pessoal) na tributária sobre a renda e acabar com algumas isenções”, disse ele.
De fato, a digitalização de serviços públicos deve ser medida prioritária de qualquer governo (e nisso o país já se encontra atrasado), assim como o combate à distribuição seletiva e ineficiente de recursos públicos.
Fernando Haddad também está correto quanto à reforma da tributação da renda. Pesquisas apontam que os estratos mais ricos da população, além de deter porção esmagadora da riqueza nacional, chegam a ter até 90% de sua renda isenta do imposto correspondente.
Mas isso não significa que a reforma administrativa, objeto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 32, deva ser mantida em seu sono profundo.
Essa PEC, apresentada em setembro de 2020, tem amplo e relevante escopo, voltando-se a todos os órgãos estatais nos três níveis de governo e prevendo uma série de normas gerais sobre políticas de gestão de pessoas.
A aceleração de sua tramitação é medida que se impõe, ainda que, como pressente Fernando Haddad, fosse “ilusório achar que a reforma administrativa vai ter grandes ganhos em cortes de despesas”. Isso porque não se trata de promover, pura e simplesmente, “cortes de despesas”.
Não se nega a importância dessa medida, ainda mais em um país que gasta um porcentual elevado do seu Produto Interno Bruto com funcionalismo público – cerca de 12%, um dos maiores índices do mundo.
Entretanto, para além desse porcentual, é preciso recordar que uma reforma da Administração Pública envolve projetos e iniciativas da maior importância, a começar da melhora na gestão e prestação de serviços públicos como saúde, segurança e educação, serviços que a maior parte da população não tem como usufruir senão através do Estado.
Essa melhora é alcançável, por exemplo, a partir da seleção e alocação criteriosa dos servidores públicos, com avaliação de seu desempenho para eventual perda do cargo ou recompensa via políticas de remuneração, respeitado o teto.
Disso provavelmente decorrerá o aperfeiçoamento da formulação e execução de políticas públicas, o ganho de eficiência dos serviços prestados e o próprio incremento das condições de trabalho dos servidores.
Além disso, um Estado bem organizado administrativamente poderá substituir gastos com cargos obsoletos ou extintos – uma realidade visível em qualquer repartição pública no Brasil – por investimentos em infraestrutura.
Mais ainda : um Estado bem organizado administrativamente é também fonte de atração de investimentos nacionais e estrangeiros, com as consequências que conhecemos em termos de emprego e modernização.
A progressiva aproximação a esse estado de coisas trará consigo os “ganhos em cortes de despesas” mencionados por Fernando Haddad, do que decorrerá maior disponibilidade de recursos para uso do Estado, algo mais do que bem-vindo em um país como o nosso, cujas despesas obrigatórias já superam 90% do Orçamento público federal.
Enfim, a realização de uma reforma administrativa pode contribuir também para a redução da desigualdade no país.
A PEC 32 proíbe, por exemplo, benefícios como as promoções e progressões baseadas exclusivamente no tempo de serviço, as férias de mais de 30 dias e a aposentadoria compulsória como modalidade de punição.
Benefícios como esses comprometem a capacidade financeira do Estado, inclusive para prover serviços básicos às pessoas que dependem dele para obter tais serviços, o que só reforça a desigualdade.
Diante de tudo isso, não parece haver argumentos racionais para tratar a reforma administrativa como algo que possa esperar.