http://veja.abril.com.br/revista-veja/r ... dois-paes/
Houve um tempo em que hambúrguer era sinônimo da rede americana McDonald’s, depois que seus sanduíches de feitura rapidíssima e padronizada explodiram nos Estados Unidos e se espalharam pelo mundo. Na União Soviética, no fim dos anos 80, o símbolo do McDonald’s tornou-se marco da vitória do mundo capitalista antes mesmo de Mikhail Gorbachev começar a derrubar os muros. No Brasil, as lojas eram inauguradas com a pompa dos grandes restaurantes. Nos anos 1990, contudo, deu-se o início de uma revolução dentro da revolução, com a expansão dos hambúrgueres de uma linha denominada gourmet, com ingredientes selecionados, às vezes inovadores na carne, no molho ou no pão. A primeira hamburgueria dessa família no Brasil foi a The Fifties, inaugurada em 1992 no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. Tornou-se conhecida como uma das primeiras a usar carnes diferenciadas, como picanha, maminha, frango, peru, costelinha ou calabresa, e por acompanhar seu sanduíche com batatas fritas, milk-shakes e sundaes.
Atualmente, mesmo em países de culinária refinada como a França, nenhum negócio com um alimento cresce mais rapidamente no mundo do que o do hambúrguer — e o bolinho de carne moída e temperada, com formato arredondado e achatado, frito ou assado como um bife e servido dentro do pão, virou adulto. Só a pizza compete com ele, o que não é pouca coisa. Numa cidade de rica variedade como São Paulo, a proliferação de endereços de bons hambúrgueres é extraordinária. Há cadeias importadas de Nova York, como a P.J. Clarke’s e a burger joint, que invariavelmente pedem até talheres nas versões mais altas. Há linhas de inspiração hipster, como o Vinil Burger. E há endereços como a Z Deli Sandwich Shop — o melhor hambúrguer de São Paulo segundo a edição atual de VEJA COMER & BEBER —, de origem judaica e filas homéricas que até já fazem parte do programa. Essas lanchonetes compõem a novíssima paisagem urbana.
Nesse ambiente transformador, é natural que despontem empresas capazes de unir a exigência de qualidade na cozinha com a expansão econômica atrelada ao interesse cada vez maior por sanduíches que nem de longe façam lembrar as fornadas industrializadas do fast-food. O caso de maior sucesso no Brasil é o do Grupo Madero, do Paraná. O começo foi em Curitiba, em 2005, com uma hamburgueria para 56 clientes que ocupou o ponto onde antes funcionava um bar mal-afamado. O Madero já abriu 105 restaurantes em 53 cidades brasileiras, de catorze estados, além de uma filial em Miami, nos Estados Unidos. Os restaurantes obedecem a dois conceitos. Um é o Madero Steak House, instalado nas cidades, com influências da gastronomia internacional e tendo o hambúrguer como carro-chefe. O outro é o Madero Container, similar ao primeiro, porém funcionando na beira de estradas.
Todo o ecossistema do Madero é controlado por uma administração central, em Curitiba, e abastecido por uma fábrica de alimentos própria, em Ponta Grossa, no interior do Paraná, com capacidade para produzir 2 milhões de hambúrgueres por mês. A rede atende mensalmente 1,2 milhão de pessoas — a grande maioria atraída pelo cheeseburger, em oito variações. A opção batizada de Madero, servida em pão francês, pesa 180 gramas, leva queijo cheddar, creme de palmito, alface, tomate e cebola assada.
O Madero virou uma máquina de trocar cheeseburger por dinheiro. Neste ano, fechará com 700 milhões de reais de faturamento e 130 milhões de Ebitda — o indicador usado para avaliar empresas de capital aberto, que considera os lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização. Precisamente, suas vendas crescerão 60% em 2017 e o Ebitda deve atingir 130% no mesmo período, apesar da crise econômica do país. Os números positivos atraíram um investidor aparentemente inesperado. Em setembro, o apresentador de televisão Luciano Huck adquiriu 5% das ações da rede, por meio da Joá Investimentos, e direito a cadeira no conselho de administração.

Desde a fundação, o Grupo Madero é comandado por seu criador e presidente, o chef, restaurateur e empresário Luiz Renato Durski Junior, o Junior Durski, um paranaense de 54 anos, descendente de poloneses e ucranianos, nascido em Prudentópolis, no sudoeste do estado. Muitos o chamam de Homem-Cheeseburger. Ele controla atualmente 83% do grupo, pois doou 12% aos seus diretores, fora os 5% de Huck. Em março deste ano, num gesto raro entre os empresários, ele revelou com exclusividade a VEJA, no âmbito de Operação Carne Fraca, ter sido alvo de achaque de fiscais agropecuários, que cobravam propina em dinheiro, e também aceitavam hambúrgueres e picanhas — admitiu ter atendido às exigências, mas se disse arrependido.
Ex-madeireiro em Roraima, onde por quinze anos explorou a riqueza natural amazônica, nunca esqueceu a paixão gustativa da juventude : o hambúrguer. Era fascinação inspirada no personagem Dudu, o comilão batizado de Wimpy nos EUA, criado pelo mesmo desenhista do Popeye. Junior Durski conheceu o sanduíche em uma viagem a Ponta Grossa, distante 98 quilômetros de Prudentópolis. “Tinha 12 para 13 anos”, recorda. “Desci na rodoviária em Ponta Grossa e encontrei uma lanchonete de hambúrguer. Ali comi o primeiro sanduíche desse tipo.” Era um cheeseburger-salada — hambúrguer, queijo, salada e maionese. A partir de então, o adolescente juntava dinheiro só para ir de ônibus até Ponta Grossa e saborear cheeseburger-salada na rodoviária. “Nem visitava a cidade”, conta. “Comia três sanduíches, matava a vontade e voltava. Eram três horas na estrada, de ida e volta, porém felizes.”
O fascínio juvenil de Junior Durski ecoa um raciocínio de Massimo Ferrari, um dos mais renomados inventores da cena gastronômica de São Paulo: “O hambúrguer é a comida rápida que melhor se requintou no mundo. Os consumidores têm responsabilidade por isso, sobretudo os jovens. Eles aprimoraram o paladar, e o hambúrguer precisou acompanhá-los”. Não por acaso, portanto, a carne bovina do cheeseburger do Madero é 100% fraldinha. Nos restaurantes, há outras opções. O cliente também pode pedir o cheeseburger de cordeiro e o vegetariano (quinoa, aveia e cenoura). Mas o bovino é campeão. A fraldinha — um corte localizado perto da costela do animal, com fibras grossas e longas —, macia e suculenta, apresenta as vantagens de não ter nervos nem gordura. Seu processamento, desse modo, fica mais fácil. Ao ser moída, a carne recebe apenas 15% de gordura. Os concorrentes usam 30%. “Isso faz com que o cheeseburger do Madero seja mais digerível e saudável”, garante Junior Durski. O pão é crocante. É assado 70% em Ponta Grossa, vai para o freezer e viaja congelado para os restaurantes. Antes da montagem do cheeseburger, ele ingressa novamente no forno. Assim que termina de assar, vai para o cliente.
Não se imagine, contudo, que a batalha do sanduíche de carne pelo paladar tenha terminado, apesar de todo o cuidado que o cerca. O hambúrguer gourmet nunca será considerado alta gastronomia. “Esse patamar fica para casas do nível do L’ambroisie e L’Arpège, de Paris, e do Fasano, de São Paulo”, brinca Junior Durski. Entretanto, o slogan que manda afixar na fachada de seus estabelecimentos é ambicioso : The best burger in the world (O melhor hambúrguer do mundo). Pode até não ser verdade, mas serve de tirada para a vastidão de ofertas que consolidaram a nova era da alimentação nas grandes cidades.