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– A Associação Portuguesa de Desportos, entidade desportiva quase centenária, passa pela pior crise financeira de sua história. A gestão temerária de seus dirigentes passados levou a Associação a um estado falimentar. É triste, mas necessário, o reconhecimento de tal estado de coisas.
São nesses termos que um dos mais tradicionais clubes do país pede à Justiça que lhe conceda gratuidade das despesas das ações em que é parte. Junto à petição, uma declaração de pobreza assinada pelo atual presidente, Jorge Manuel Marques Gonçalves, em que ele afirma, em nome da entidade, não haver "condições de arcar com os custos do presente processo sem o sacrifício de sua manutenção".
Pobre, a Portuguesa tenta se reerguer do fundo do poço em que se meteu desde que foi rebaixada para a Série B no Brasileiro de 2013 – a queda sacramentada no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) pela escalação irregular do meia-atacante Héverton é o marco desta crise que parece se acentuar a cada nova temporada.
Suspeitas de fraudes, ainda não comprovadas, ajudaram a enfraquecer o combalido cofre luso, num círculo vicioso que levou a novos rebaixamentos – à Série C, em 2014, e à A-2 estadual neste ano – e a novos problemas de caixa. No Canindé, as receitas não dão conta dos gastos regulares, um rombo de R$ 250 mil por mês – equação que não considera dívidas acumuladas.
Apesar do cenário lamentável, Marques Gonçalves, que assumiu a presidência em março, após a renúncia de Ilídio Lico, mantém a esperança de que o clube irá se reerguer.
– Percebemos que há muito potencial no clube. No dia a dia você se depara com muitas surpresas, nem sempre as melhores, mas a expectativa que temos, no relacionamento com a comunidade e com o comércio ligado à colônia, é ótima – afirma o dirigente, que admite a possibilidade de negociar parcerias pela valiosa sede do clube, alvo do mercado imobiliário.
POBRE NA JUSTIÇA
O clube se baseia em lei de 1950, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária a necessitados, para solicitar gratuidade – benefício previsto também no Código de Processo Civil. O GloboEsporte.com teve acesso a documento anexado a processo movido pelo Estado de São Paulo contra a Portuguesa. Ação que cobra o ressarcimento de R$ 540 mil e expõe outras faces da penúria vivida no Canindé.
Em 2011, na gestão de Manuel da Lupa, o clube teve aprovada captação de R$ 750 mil pela Lei de Incentivo ao Esporte paulista, que permite que empresas repassem até 3% do valor devido de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) a projetos desportivos – a Lusa buscava verbas para equipes de judô, karatê, tênis, patinação artística, hóquei, malha e bocha.
Foram arrecadados R$ 540.456,25, depositados em conta específica para o fim proposto. Uma série de processos trabalhistas, porém, levaram à execução da Portuguesa e ao bloqueio desse dinheiro, que não poderia ser utilizado para quitar dívidas com ex-funcionários. Em março, a Justiça condenou o clube a ressarcir os cofres públicos, com juros, e ao pagamento de honorários fixados em 10% do valor da condenação – quase R$ 55 mil.
Sem condições de arcar com o custo para um recurso, pouco mais de R$ 10 mil, a Portuguesa solicitou e teve concedido o benefício de justiça gratuita. Segundo Marques Gonçalves, o mesmo expediente foi utilizado em outras ações, nem sempre com o mesmo sucesso.
– Estamos em uma situação na qual onde pudermos deixar de pagar, melhor. Um recurso pode custar o salário de até cinco funcionários – explica o presidente.
Na argumentação do pedido, os advogados listam as dificuldades atuais da Portuguesa e incluem críticas à torcida rubro-verde.
– Sem patrocínio, sem cotas de televisão, sem rendas em razão da maioria da torcida ter abandonado o clube (há jogos com público pagante inferior a 350 pessoas), e com as despesas e dívidas num crescente, não há como negar a condição de necessitada da Portuguesa.
PORTAS ABERTAS NO CANINDÉ
Antes reticente a uma negociação que envolvesse o Canindé, Marques Gonçalves agora admite utilizar o principal patrimônio do clube contra a crise financeira instalada na Portuguesa.
Ele, porém, rejeita uma venda. Acredita ser possível parcerias que não obriguem a associação a se desfazer de sua sede, erguida num terreno de quase 100 mil metros quadrados – cerca de 60% dele pertencente à prefeitura de São Paulo – na Zona Norte da cidade.
– Estamos avaliando várias alternativas, conversando com investidores. Mas isso tem um tempo de maturação – diz o cartola.
Na apelação, o clube repete o discurso rejeitado em primeira instância de que não teve culpa ou dolo no bloqueio do dinheiro captado através de lei de incentivo e que tentou reverter a penhora na Justiça do Trabalho. O recurso ainda não foi julgado.
Um dos projetos é da construtora Kauffmann e prevê a construção de torres residenciais, comerciais, centro de convenções e a reforma do estádio – a Lusa seria sócia do empreendimento orçado em R$ 1 bilhão.
– Temos três propostas, de âmbitos diferentes. Esta é uma delas. Vamos analisar para ver se são complementares ou excludentes. Não temos prazo para definir. Se não fizermos desta forma, vamos arrumar algum novo problema.
A área do Canindé que pertence à Lusa, com 42 mil metros quadrados, foi penhorada pela Justiça do Trabalho, que reuniu numa mesma execução processos que somam R$ 47 milhões. Um perito do TRT (Tribunal Regional do Trabalho), onde tramitam 139 ações contra o clube, avaliou o terreno em R$ 123 milhões.
Para que algum dos projetos deixe o papel, o clube terá que se acertar com a Justiça. Em maio, o TRT rejeitou recurso da Lusa e indicou a possibilidade de levar o imóvel a leilão.
FUNCIONÁRIOS SEM SALÁRIOS
De acordo com o presidente Jorge Manuel Marques Gonçalves, a folha de pagamento dos atletas do time profissional está em dia. O mesmo não acontece com os demais funcionários do Canindé. Nesse caso, porém, o clube divide sua responsabilidade com a Justiça Federal, em greve desde o começo de junho.
Isso porque um acordo realizado em ação do Sindesporte (Sindicato dos Empregados de Clubes Esportivos) após greve dos trabalhadores determinou o bloqueio de cerca de R$ 2 milhões em cotas distribuídas pela FPF (Federação Paulista de Futebol) para o pagamento dos salários de novembro, dezembro e o 13º, que estavam atrasados.
O Sindicato já teve acesso a uma parte do bloqueio e quitou esses meses. O restante do valor seria usado para acertar as folhas até junho, mas, até agora, só metade dos vencimentos de abril chegou ao bolso dos funcionários.
Segundo o diretor da entidade, Wagner Carniato, as duas últimas parcelas da cota da FPF já foram depositadas em juízo, mas a greve impede que o dinheiro seja transferido para o sindicato.
– Precisamos de um alvará e da publicação do edital para isso, mas a secretária da 29ª Vara do Trabalho (onde corre o processo) está parada – lamenta.
A Justiça do Trabalho, porém, nega que a paralisação interfira. Através da assessoria de imprensa do TRT da 2ª Região, que inclui o estado de São Paulo, declarou que salários têm natureza alimentar e, por isso, têm prioridade. Além disso, há despachos realizados durante a greve.
O TRT expõe outro problema que trava o pagamento. Uma ação do ex-volante Marcus Vinicius Ozias também bloqueou o mesmo dinheiro. A Justiça solicitou, então, que fosse dada prioridade aos funcionários do clube, que estão na ativa. O atleta aceitou, mas questionou documentos expostos pelo sindicato, o que travou R$ 111 mil, que só serão liberados após apresentação de comprovantes.
Com esse imbróglio, os empregados da Portuguesa têm quatro meses a receber, além de 45% dos vencimentos de abril.
– Nós enviamos solicitação por escrito ao presidente do clube para que ele use a arrecadação da festa junina do Canindé para o pagamento da folha de junho – afirma Carniato, que ainda não recebeu resposta ao pedido do sindicato. O evento realizado na sede da Portuguesa em junho e julho é um dos mais tradicionais da cidade e costuma reunir grandes públicos. Os funcionários custam cerca de R$ 240 mil mensais.
FERIDAS ABERTAS
As feridas deixadas pelo caso que envolveu o meia-atacante Héverton ainda não cicatrizaram na Portuguesa – a atual diretoria tenta se descolar do assunto por entender que a polêmica que se arrasta há quase dois anos afasta potenciais patrocinadores.
Mas as marcas ainda são visíveis. Desde que o rebaixamento foi sacramentado pelo STJD, que tirou quatro pontos do clube pela escalação irregular do atleta na rodada final do Brasileiro de 2013, o time não se recuperou.
No ano seguinte, realizou péssima campanha na Série B e caiu para a terceira divisão. A degola também sacrificou a equipe no Paulista deste ano, quando a Lusa não conseguiu jogar uma única partida no Canindé, interditado.
As dívidas, claro, também afetam a rotina rubro-verde.
– Temos o cobertor curto. Fazemos um esforço enorme para pagar os atletas em dia, mas alguma coisa pode acontecer. O salários e direitos de imagem estão no mês. O que temos é um estoque de débitos antigos, com algumas rescisões que começam a ser pagas em agosto – explica Marques Gonçalves.
– Estamos tentando ampliar as receitas e diminuir as despesas. Estamos regularizando o estádio, o programa de sócio-torcedor. Os recursos que entram não são suficientes. Talvez para as despesas correntes, mas a cada dia aparece uma nova dívida – completa.
Em campo, o time ainda não encaixou. É o quinto colocado no Grupo B da Série C, com duas vitórias em seis jogos. A campanha levou à demissão do técnico Júnior Lopes. Na estreia de Estevam Soares, no último sábado, derrota para o Juventude por 3 a 2.
Enquanto isso, o inquérito do Ministério Público que apura responsabilidades no erro que levou o clube a escalar Héverton irregularmente ainda não foi concluído. Apesar das suspeitas de que cartolas receberam vantagens indevidas para que o jogador fosse a campo contra o Grêmio, não há provas que sustentem essa suposição.
Assim, o promotor Roberto Senise, que lidera a investigação, já admite a possibilidade de processar ex-dirigentes por culpa – quando não há intenção. Na mira estão o ex-presidente Manuel da Lupa, o ex-diretor de futebol Roberto dos Santos e o advogado Valdir Rocha.