O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - CONCLUÍDO

[Chápulo]

Ya vienen los espíritus chocarreros!

[Antonio Felipe]

41. Espíritos e Sonâmbulos

Nesta vila os equívocos são constantes e causam as confusões mais absurdas, por qualquer coisa que se possa imaginar. Dois fatos são bem interessantes para exemplificar essa situação:

Primeiramente, eu descobri um problema que estava afetando meu sono. Sonambulismo. Isto mesmo, eu sou sonâmbulo! Acontecia o seguinte: por vários dias, fiquei muito triste por que o Chaves tinha pouco ou nada para comer. E fiquei com isso cabeça por um tempo. Acabou afetando meu sono. Quase toda noite eu sonhava que estava ajudando o Chaves, dando-lhe alguma coisa para comer, com o dinheiro que eu conseguia. Foi assim por vários dias. E ao mesmo que eu sonhava, pratos desapareciam da minha casa e iam parar no barril do Chavinho. Demorou até que eu pudesse associar meu sonambulismo e minha preocupação com o garoto a esses pratos indo para lá e para cá. A confusão foi tanta que até acharam que isso era obra de espíritos zombeteiros, que estariam azucrinando a vila. No final das contas, a Bruxa resolveu fazer uma sessão espírita – ela deu para freqüentar centros espíritas de vez em quando – para pedir que os tais espíritos deixassem de nos incomodar. O resultado é que as crianças começaram a aprontar na vila e tudo foi confusão.

Resolvi até amarrar meus pés para não sair de casa levando mais pratos. Não deu muito certo, tomei um tombo feio e acabei machucado mas...Pelo menos o sonambulismo acabou – isso pelo que diz a Dona Clotilde, que ficou cuidando de madrugada para ver se eu não iria sair de casa.

O segundo equívoco que causou muita confusão foi quando o Professor Girafáles veio até minha casa pedir que eu lhe desse uns conselhos amorosos, para ele dar a volta na velha encrenqueira do 14. Dava para ver que o cara não entendia muito do assunto, parecia até que nunca tinha paquerado na vida. Bem, eu sou um velho galanteador, que já arrasou muitos corações na juventude, modéstia à parte, e por isso me prontifiquei a ajudar o pobre professor. Não seria nada de mais não fosse o fato de que pedi para ele encenar sua abordagem na velha. Até aí tudo bem. O problema é que os meninos viram a cena pela janela e acharam – acredite! – que eu e o Professor estávamos tendo um caso! Veja só!

Deus me livre fazer uma coisa dessas! Não comigo, não senhor! Até eu conseguir explicar a verdade para as crianças, sofri muito, foi um trabalho enorme. Pelo menos o Professor e a Florinda se entenderam e já estão com a cafonice de sempre.

Bem, deixemos de lado as confusões. Vou ter que arrumar um chapéu, vou precisar de um para tentar um emprego que tenho em vista...

Próximo capítulo: Enfim, um Emprego!

[E.R]

Muito bom ! Gostei muito !

Relate em detalhes o almoço do Seu Madruga com o patrão (referente a história "O chiclete que grudou no chapéu") .

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Quando chegar na hora de falar da Malicha, também procure contar em detalhes da relação do Seu Madruga com a afilhada e com os pais da "Malitita".

[Brnochavesmaníaco]

Parabéns, por mais um brilhante capítulo!!

[Antonio Felipe]

42. Enfim, um Emprego!

A vida não é nada fácil, ainda mais quando se precisa de um trabalho para que ela aconteça. Somente com trabalho duro, somente com muito vigor, muito esforço, muito suor é que a vida acontece plenamente. E o trabalho faz isso. Por isso que tenho me dedicado tanto nos últimos tempos a trabalhar: trabalhar, sim. Por que nada mais é tão trabalhoso do que ter que trabalhar.

Só que isso aí não faz entrar dinheiro na minha carteira. E eis que fui atrás de uma oportunidade. Busquei mais uma vez o auxílio do meu amigo Elisandro, que me indicou uma pessoa, que fornece produtos para as suas lojas. Consegui a muito custo um chapéu para me encontrar com o homem – afinal nós iríamos almoçar em um restaurante mais fino. Conversamos por mais de uma hora, ele perguntou sobre minha experiência, achou interessante a minha versatilidade para o trabalho – já fui toureiro, mestre de obras, camelô, boxeador, entre outros – e a minha enfermi...digo, eferm, não, não, a minha feremi...ah, sim, a minha efemeridade (que palavra difícil) para o trabalho.

Gostei desse homem, me pareceu uma pessoa boa. Seu nome é Germán, tem algo em torno de 50 anos, disse-me que é casado e tem dois filhos, sendo que um trabalha com ele. Seu rosto me lembrou o tio Herrera. Foi uma conversa boa e... consegui o emprego! Trabalharei como assistente no setor de carga e descarga de sua empresa. Pelo menos é alguma coisa.

Mas como tudo acaba em confusão com quem mora nesta vila, tive uma grande incomodação. Na chapelaria, acabei pegando o chapéu do meu patrão ao invés do meu. Como ambos eram pretos, nem percebi a diferença. Claro que isso daria encrenca. E o Chaves ainda acabou grudando um chiclete no chapéu, mas pelo menos foi no chapéu do Professor Girafáles. O chapéu do meu patrão ficou ileso e pude devolvê-lo no dia seguinte.

Agora é seguir em frente, trabalhando para que tudo possa se ajeitar.

Próximo capítulo: Momentos de Loucura e Filosofia

[E.R]

Legal ! Vem cá, você poderia citar o Seu Madroga, o primo do Seu Madruga, em algum dos capítulos ?

[João]

Bem bacana, só faltou lembrar a graninha que ele saiu lucrando do professor

[Antonio Felipe]

Legal ! Vem cá, você poderia citar o Seu Madroga, o primo do Seu Madruga, em algum dos capítulos ?

Isso vai acontecer no capítulo 48: Uma Visita Surpresa (ou duas...), que cita essa visita do Madroga e também o retorno da Chiquinha.

[Antonio Felipe]

43. Momentos de Loucura e Filosofia

Na nossa vida, nós alternamos momentos de loucura e até por que não?, de filosofia. Ora entramos em um estado de descontrole mental, outras vezes tiramos grande idéias de nossas cabeças. Isso é bom. Gosto disso. Só é pena que isso acabe virando rotina.

Por exemplo, eu consegui perder o emprego que conquistei com tanto esforço, depois de um mês! Um mês! Durante dois dias, tive uma recaída na bebida e acabei ficando em casa o dia inteiro. Não fui trabalhar, obviamente, ainda mais que estava de pileque e com uma dor de cabeça dos diabos. Estava tão mal que já chamava urubu de meu louro. Claro, faz um bom tempo que não coloco álcool na boca e naqueles dias eu virei algumas garrafas. Perdi o emprego mas pelo menos consegui o primeiro (e único) salário.

E o que fazer agora? Usar um pouco da loucura. Sim, da loucura, para não ter que pagar o aluguel. Resolvi me fingir de louco para não ter que pagar o aluguel ao Senhor Barriga. Daria tudo muito certo não fosse os meninos pensarem que o gordo também estava louco. O que aconteceu? Confusão na vila, naturalmente. Baldes de água fria para lá e para cá. É uma coisinha apenas que acontece nesta vila. E esta coisinha faz com que abram-se as portas do inferno. Que vida miserável...Pelo menos não paguei o aluguel.

Os momentos de filosofia também acontecem. Como quando ensinei às crianças que é importante que se compartilhe as coisas com os demais. Ainda mais quando se trata de quem já tem muito – caso do Kiko – em comparação com quem tem pouco ou nada – o Chaves. Esse tipo de pensamento aparece volta e meia...

Só que a loucura acaba superando a filosofia. Principalmente quando a gente tem que lidar com pessoas ignorantes como a Dona Florinda. Que velha maldita! Resolveu implicar comigo só porque pendurei minha calça no varal do pátio! E ela ainda diz que aquela calça pendurada enfeia o pátio da vila, dá uma imagem negativa. Ora...se ela é tão refinada assim, por que não foi morar em um castelo, em um prédio de luxo? Dinheiro para isso ela tem. Não precisaria ficar morando em uma vila de quinta categoria, como ela mesma diz. O pior de tudo é que ela disse ao Chaves que pegasse as calças que estavam no varal, como se eu as tivesse doado ao Chavinho. Como só tenho duas calças em perfeitas condições de uso, fiquei na pior. Mas resolvi me vingar e me vinguei. Aproveitei que as roupas do Kiko estavam no varal outro dia e peguei elas! O que fiz? Dei-as para o Chaves, que as vestiu e saiu por aí desfilando com elas. Claro que a Florinda ficou enlouquecida, não era para menos. Mas me vinguei. Soube depois que ela conseguiu as roupas de volta e as queimou, já que o Chaves teria sujado-as e não adiantaria lavar...

Mais chato ainda é servir de babá das crianças dos outros. As aulas recomeçaram esses dias e o Barriga me encarregou de levar o seu filho para a escola. Fiquei espantado com o menino, Nhonho. É incrível como ele é parecido com o Barriga. E é incrivelmente gordo para sua idade. Milagre que suas pernas não quebrem em razão de tanto peso que suportam. E na escola, quem vejo? Malu! Sim, Malu, minha afilhada, filha de Elisandro! Ela está estudando na mesma escola do Chaves e Kiko. Fiquei muito feliz em vê-la. Já está bem crescidinha. Vou ver se falo com Elisandro. Talvez consiga com que Malu passe uns dias em minha casa.

Próximo capítulo: Malu na Vila

[Antonio Felipe]

44. Malu na Vila

Foi com muita alegria que consegui convencer meu grande amigo Elisandro a deixar que Malu viesse passar uns dias na vila. Assim ela poderia conviver um pouco comigo, já que é minha afilhada, e também para que eu volte a ter uma pequena companhia em minha casa por uns dias, na falta da Chiquinha, que continua com as tias.

Malu ficou três dias na vila e já pude notar que ela é muito sapeca e também apronta muito, tanto quanto a Chiquinha. Até que ela se entendeu bem com os meninos, os quais ela já conhece lá da escola. Mas as confusões por aqui não foram menores com a sua presença. Primeiro, o Chaves resolveu caçar lagartixas com um estilingue. A caçada teve sucesso, às custas de muitos sustos para todos. Só a Malu se assustou várias vezes com os bichos. Ela ainda disse que lá na casa dela nunca aparece esse tipo de bicho. Já senti um certo desconforto por isso. Claro, ela tem uma boa vida, Elisandro é um homem arranjado na vida, não tem grandes preocupações.

No segundo dia de sua estada na vila, Malu já aprontou de novo. E nessa vez, contou com a ajuda do Chaves. O Kiko disse-lhes que iria a uma festa com gente decente e que por isso não poderia sujar a sua roupinha de marinheiro. E é claro, os dois moleques resolveram sujar a roupa do garoto. Como sempre, a bomba cai nos meus braços.

Três dias foi o tempo total da estada de Malu em minha casa. No terceiro dia, Elisandro veio buscar a filha para levá-la embora. E nós dois tivemos uma conversa:

- Muito obrigado por ter deixado a Malu ficar uns dias comigo, Eli.
- Não precisa me agradecer, meu velho. Eu sei o quanto deve estar difícil para você ficar sem sua filha para lhe fazer companhia.
- É, não tem sido muito fácil. São tantos anos de dedicação exclusiva à pequenina. Alguns meses de distância, como ocorrem agora, já te deixam para baixo.
- Ramón, meu amigo. Já faz dez anos que nos conhecemos. Eu ainda me lembro do dia em que te conheci. Não imaginava que um homem que nem você seria capaz de enfrentar touros. Eu apostei em você por que sabia da sua determinação. Eu senti isso naquele dia em que te vi. E vendo você agora, nesse estado, me dá uma sensação de impotência.
- Impotência?
- Sim. Eu queria muito que você tivesse continuado enfrentando aqueles touros na Gran Arena. Queria que você tivesse continuado com o sucesso que alcançou. Ninguém até hoje derrotou onze touros em seguida! Para sempre você será o Rei da Muleta na Cidade do México! Mas onde está esse rei? Está caído. A tristeza lhe foi o toureador que lhe enfiou a espada em seu peito. A tristeza te derrubou. Eu não sei como é perder uma esposa, ainda mais uma esposa como Maribel, uma grande mulher que sempre admirei. Mas posso imaginar isso quando me coloco em seu lugar. Você tinha tudo, Ramón. Tudo. A vida te tirou Maribel. E você acabou fazendo com que a vida tirasse o resto.
- Eli, por favor, eu...
- Não, Ramón, me escute. Levante, meu velho! Onde está aquele homem que derrubava touros? Onde está? Você não trabalha mais, não enfrenta os desafios, não enfrenta sequer uma senhora enfeitada como essa tal de Florinda de quem tanto fala! Reaja! A vida está sacudindo o pano vermelho. Cabe a você correr em direção a ele. A vida não vai ter matar, a vida é alegria, é saúde, é amor! Fico mal em ver como uma pessoa que nem você chegou a este estado.
- Por que fala tudo isso?
- Por que eu sou seu amigo. Mesmo quando te mandei embora da Arena, eu era seu amigo. Esperava que você reagisse e voltasse a tourear. Infelizmente tudo ficou assim. Eu não posso fazer mais nada. Não vou mais lhe indicar empregos se você não lutar contra si mesmo. Não quero que você permaneça nesse estado. O dia que você sentir que está pronto, volte a me procurar.
- Farei isso.
- Não faça por mim. Faça por você, sua filha e em memória de Maribel.
Malu entra em casa.
- Ramón, você está chorando?
- Não, minha querida, é só um cisco que entrou no meu olho...
- Bem, Malu, vamos indo. Se despeça de Ramón que já é tarde.
- Tchau, Ramón!
- Tchau, minha querida!
- Adeus, Ramón. Pense no que eu disse.

Aquilo me tocou fundo na alma. Foi um baque ouvir tudo aquilo. Apesar de tudo aquilo ser verdade, sinto fraqueza para reagir. Como vou fazer isso?

Próximo capítulo: As Gravatas da Discórdia

[E.R]

Muito bom esse capítulo com a Malu e o pai dela ! Um dos melhores que você escreveu.

[João]

Excelente capítulo!
O Elisandro animando o Madruga é excelente! Muito legal mesmo!

[Antonio Felipe]

45. As Gravatas da Discórdia

A conversa com Elisandro me tocou fundo, pensei bastante a respeito e decidi que vou tentar conseguir algum trabalho por conta própria. Ora, não preciso ouvir esse tipo de coisa na minha casa! A última coisa que preciso para minha vida é que alguém venha dar palpites sobre o porquê de minha situação.

Resolvi sair para procurar emprego. E para isso, lavei minhas gravatas. Para minha surpresa, o doido do Kiko resolveu usar as minhas gravatas para servir de coleira para o cachorro que ele ganhou do Professor Girafáles. Vejam só! O pior de tudo é que ele apelidou o bicho de “Madruguinha”, porque gosta muito de mim. Imagine, um bicho com o meu nome e ainda sendo conduzido com as minhas gravatas! É de enlouquecer qualquer um.

Só que esse cachorro, de certa forma, me fez voltar à infância...Eu era bem pequeno, ainda morava no campo com meus pais. Eu tinha algo como sete anos, talvez. E tínhamos um cachorro pastor alemão, muito bonito. Seu nome era Valiente, pois era um cão muito valente, que enfrentava até mesmo outros bichos bem maiores. Valiente era a minha melhor companhia. Quando minha mãe não me deixava ficar perto dela e quando meu pai estava no campo, trabalhando, eu ficava com meu cachorro. Nós brincávamos por uma tarde inteira, às vezes. Era muito divertido. Pena é que quando nós mudamos para a cidade, tivemos que nos desfazer de Valiente. Eu lembro de ter chorado bastante por que adorava aquele cachorro e não queria me afastar dele. Não houve jeito. Fiquei praticamente só por algum tempo. Não tinha amigos, nem mesmo um cachorro.

Hoje, os cachorros ainda me atraem. Gosto de cachorros. Mas não de todos. E agora, que curioso, o Senhor Barriga resolveu proibir a presença de animais na vila (se fosse dessa forma, ele mesmo não deveria entrar na vila), assim como crianças pequenas. Por causa disso, a Dona Florinda resolveu se desfazer do cachorro e o Kiko pensou que a Dona Clotilde tinha transformado o bicho em regador. Que confusão danada. E não foi só isso. Desfeito o engano, o bochechudo ainda arranjou um rato de estimação. Fiquei com minhas gravatas e acabei até um rato na minha cabeça...

Pois é. Fez bem o gordo ao proibir bichos na vizinhança. Se apenas esses moleques já transformam tudo em um verdadeiro inferno, imagine com animais. E agora preciso voltar a pegar água. Do nada começou a faltar água por aqui.

Próximo capítulo: Amor Cafona

[E.R]

Muito legal ! O Seu Madruga gosta mesmo dos animais, teve até peixinhos. Mas cachorro, ele não tinha mais condição econômica de ter, como vemos no episódio do Peludinho, na conversa que ele tem com a Chiquinha.

[Nicson]

Muito bom, parabéns por mais um primoroso capítulo, Antonio.
Pelo que parace, no próximo capítulo, Seu Madruga irá utilizar de seus dotes de galanteador para ensinar algumas declarações amorosas ao professor.