Mensagem
por Antonio Felipe » 26 Jun 2010, 23:47
95. A Maior Surpresa de Todos os Tempos
Estou no hospital. Cinco dias atrás, eu fui operado. Os médicos tiraram parte do meu estômago, a parte cancerosa. Fui para a mesa de operação tremendo, quase tendo um troço. Não sabia o que podia acontecer naquele momento, eu sedado, nas mãos de Deus, só esperando por acordar vivo algumas horas depois. O sufoco passou.
Os médicos disseram que a cirurgia foi um sucesso e que conseguiram tirar todo o câncer. No entanto, vou ter que prosseguir com o tratamento para evitar que o câncer se espalhe por outros lugares do corpo. Parece até que terei que passar por radiação, algo do tipo, para me curar. Bem, não importa. Só quero estar bem, estar curado. Ao que parece, o pior já passou. Em duas ou três semanas, já posso ir para casa. Só não posso mais trabalhar como antes. Nada de esforço, nada de cansaço. Repouso absolutíssimo e trabalho leve, de preferência, caseiro. Não sei bem o que vou fazer. Terei tempo para pensar nisso. A Chiquinha até já falou em procurar trabalho para evitar que tenhamos problemas em casa. Acho que ainda é cedo para ela fazer isso.
(algumas semanas depois)
Estou em casa. Já me sinto melhor, se comparado a quando estava com aquele negócio no estômago. Ainda tenho dificuldade para comer – agora, só coisas muito leves, nada de gorduras, nada pesado. Perdi uma boa parte do estômago, não posso abusar da sorte.
(algum tempo depois)
Eu juro por tudo o que é mais sagrado que nunca imaginei uma surpresa tão grande nesta vila, como a que ocorreu esses dias. Foi algo surreal. O que era para ser um momento feliz, virou um momento de enorme tristeza e amargura.
Estava eu lendo o jornal na porta de casa, quando vejo uma figura estranha entrar na vila. Era um homem, que se espreitava pela parede perto da escada. A atitude dele era muito suspeita. Eu então gritei.
- Ei! Quem é você?
- Santo Cristo, não grite!
- Como não vou gritar, quem é você?
- Seu Ramón, por favor, silêncio.
- Hein? Como sabe meu nome?
- Não posso falar agora. Sabe se Florinda está em casa?
Achei muito estranha aquela figura. O homem usava um casaco longo e cobria parte do rosto com um cachecol, além de usar chapéu. Como ele sabia meu nome? Era alguém conhecido? Podia ser um ladrão. Então me levantei da cadeira e fui até ele.
- Ora, que história é essa? Quem é você? Diga, senão chamo a polícia!
- Espere, espere, não faça escândalo!
- E você deixe de se esconder, tire essa droga de cachecol para eu ver quem é que...
Então o baque. O susto. Eu gelei a espinha diante do homem que se encontrava diante de mim naquela manhã fria de primavera. O rosto que eu via estava marcado pelo tempo, mas ainda era a pessoa com quem eu tinha convivido por algum tempo. Seu rosto nunca deixou minha memória, ainda mais que eu tinha perdido este amigo há muitos anos. Não podia ser um fantasma. Era real.
Era Frederico que estava na vila.
Vivo.
- Como... Como... Frederico!
- Shhhhh! Por favor, não fale...
- O que está fazendo? Você morreu!
- Não, não morri, Ramón. Estou vivo desde que nasci.
- Mas, mas como pode? O navio afundou, resgataram seu corpo, eles...
- Não resgataram nada, Ramón. Apenas um corpo qualquer, ou que sobrou. Alguma vez lhe falaram se Dona Florinda viu meu corpo?
- Não, não...
- Pois é. Encontraram um corpo qualquer, entre tantos, naquele mar repleto de tubarões.
- Mas, mas... Por que você voltou? Por que está aqui?
- Não queria mais viver com Florinda. Não estava feliz. Conheci outra pessoa naquele navio, alguém que mudou minha visão. Por um infortúnio do destino, o navio afundou. Foi a oportunidade para fugir.
- E onde esteve esse tempo todo?
- Nos Estados Unidos.
- Com essa outra mulher?
- Exatamente.
- E por que voltou?
- Queria ver como Kiko estava. Apenas queria vê-lo, de longe.
- Não, não acredito que você fez isso!
- Eu não era feliz, Ramón. Era a chance que eu tinha.
- MEU DEUS!, grita ao longe Florinda, ao sair de sua casa.
Nesse momento, Florinda desmaiou. Não acreditou no que via. Frederico bem que tentou fugir, mas o segurei. Ele tinha que ser confrontado com a verdade. Florinda ficou indignada, caiu em desespero e deu um tapa poderoso no rosto de Frederico, que tentou partir. O Professor Girafáles o segurou pela gola do casaco, gritou com ele, perguntando por que tinha feito tamanha barbaridade. Florinda gritou, pediu para que o ex-marido se fosse da vila, para nunca mais voltar. Frederico, cabisbaixo, foi embora. Kiko não viu nada, estava na escola na hora. Ficou sem entender tamanha tristeza de sua mãe.
Que momento aterrador. Como alguém tem coragem de fazer isso? Não consigo crer. Frederico se foi. Para onde, não sei. Não deveria ter voltado, que ficasse como uma vaga lembrança na mente de todos aqui.
Uma ferida se fecha, outra se abre. E a vila segue nesse ritmo. Não espero mais nada depois dessa surpresa.
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Por que esse capítulo? Sempre achei essa história de Frederico um tanto curiosa e com uma ponta solta. Achei que seria interessante revelar uma verdade a esse respeito. Pode ser controverso, mas achei ser uma solução interessante dentro do contexto do Diário.
No entanto, o capítulo pode ter outras versões e tenho pelo menos mais uma ideia a ser aproveitada - menos chocante e menos controversa, mas ainda assim dramática.
Próximo capítulo: Aqui Jaz Uma Bruxa
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.