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Mais de meio bilhão de reais em dívidas. Apesar de títulos recentes, como as últimas duas edições da Copa do Brasil, aumento na quantidade de credores.
A história do Cruzeiro no primeiro ano de mandato do presidente Wagner Pires de Sá seria parecida com a de outros clubes brasileiros, se não estivesse a administração comprometida por indícios de irregularidades.
A Polícia Civil de Minas Gerais instaurou inquérito para apurar denúncias sobre falsificação de documento particular, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Os investigadores já ouviram 15 pessoas, todas elas relacionadas de alguma forma com o Cruzeiro – entre funcionários e ex-funcionários, dirigentes e prestadores de serviços que realizaram transações com o clube.
– Estamos investigando principalmente transações e pagamentos suspeitos. Sem a devida prestação do serviço ou superfaturados – afirma o delegado Domiciano Monteiro, chefe da Divisão de Investigação de Fraudes e Crimes contra a Administração Pública.
O inquérito se baseia em um balancete contábil analítico, que demonstra pagamentos feitos pelo Cruzeiro no decorrer de 2018, ao qual o Fantástico também teve acesso. A reportagem foi além e conseguiu quase 200 páginas de contratos e planilhas de controle interno.
Há evidências de que a diretoria cruzeirense quebrou regras da Fifa e da CBF, no âmbito do futebol, e do governo federal, por meio do Profut, programa de renegociação de dívidas fiscais com clubes.
Os documentos obtidos pela reportagem também revelam pagamentos feitos pelo Cruzeiro a torcidas organizadas. Daniel Gomes Sales, conhecido como Quik, é diretor da Máfia Azul e aparece na contabilidade com o valor de R$ 88 mil recebido no decorrer de 2018. Ele possui contrato com o clube válido até dezembro de 2020 no valor de R$ 8 mil mensais. Daniel possui condenação por porte ilegal de armas e cumpriu prisão em regime semiaberto. Após a sua soltura, passou a se dedicar ao braço de comunicação da torcida organizada à qual é filiado, a TV Máfia Azul. Ele acompanha a delegação do futebol profissional em viagens dentro e fora do país e tem acesso privilegiado a bastidores para produzir o conteúdo.
Em conversa com o Fantástico, o líder da torcida organizada explicou que vende anúncios em seu canal do mesmo modo que grandes emissoras. Ele admitiu que recebe dinheiro de empresas como o Banco Digimais, atual patrocinador máster do Cruzeiro, e do próprio clube para divulgar o programa de sócios-torcedores, o Sócio do Futebol. No entanto argumentou que o pagamento feito pelo Cruzeiro não configura como financiamento do clube à torcida organizada.
– O Cruzeiro não me paga nada. Não tenho nenhuma relação com o Cruzeiro. Tanto que a nossa TV é independente. Eles pagam publicidade – afirmou Quik por telefone.
– O Cruzeiro paga publicidade para você, e você expõe a marca do Cruzeiro em troca de R$ 8 mil por mês, é isso ?
Daniel parou de responder neste trecho, e a ligação caiu. A reportagem refez o contato, e ele rebateu.
– O Sócio do Futebol, ele tem propaganda na Globo também, não tem ? Isso é contrato, como tenho com todos os patrocinadores.
A Máfia Azul não é a única torcida organizada remunerada pelo clube. A China Azul também possui contrato válido até dezembro de 2020, pelo qual tem direito ao repasse de R$ 6 mil mensais a título de divulgação das marcas cruzeirenses em seus canais de mídia e redes sociais.
O Cruzeiro escreveu, em nota enviada à reportagem, que não remunera torcidas organizadas ou seus membros, mas admitiu que faz anúncios em canais pertencentes a essas associações.
– O Cruzeiro não remunera torcidas organizadas e nem seus membros. Apenas em algumas ações de marketing ou comerciais, o clube contrata exposição de mídia em propriedades comerciais, entre elas, a TV Máfia Azul, para exposição e venda do produto sócio-torcedor e para divulgação de eventos e campanhas de marketing, por considerar se tratar de grande potencial de venda para adesão de novos sócios pelo público que atua, sendo a receita de sócios de futebol essencial ao fluxo financeiro do Cruzeiro.
Há três principais figuras à frente da atual administração do Cruzeiro. Wagner Pires de Sá é o presidente, Itair Machado de Souza é vice-presidente de futebol e tem plenos poderes sobre todas as áreas do clube, e Sérgio Nonato dos Reis é diretor-geral. Apesar de haver mais de meio bilhão de reais em dívidas a pagar, segundo o balanço mais recente, seus salários são altos.
Itair Machado assinou seu primeiro contrato com o Cruzeiro em 2 de janeiro de 2018, por meio da empresa da qual é proprietário, a IMM Assessoria e Consultoria Esportiva Ltda. O acordo vai até dezembro de 2020 e dá ao dirigente uma remuneração mensal de R$ 180 mil, sendo que no mês de dezembro de cada ano ele tem direito ao dobro disso, R$ 360 mil, como 13º.
Em fevereiro de 2018, além da remuneração ordinária, o Cruzeiro se comprometeu a pagar a Itair Machado a quantia de R$ 540 mil à vista por causa da prestação de serviços nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017. Wagner Pires de Sá foi eleito presidente em outubro daquele ano, portanto os valores pagos a Itair Machado correspondem à remuneração retroativa.
Em 30 de junho de 2018, Itair Machado assinou o primeiro aditivo de seu contrato. Nele, a redação da cláusula que tratava da remuneração foi alterada para evitar qualquer tipo de desconto no salário do dirigente. “O contratante pagará ao contratado, mensalmente, a importância líquida e certa de R$ 180 mil.”
Em 1º de agosto de 2018, já com as principais competições nacionais em andamento, Itair Machado assinou o segundo aditivo ao seu contrato inicial. Desta vez para acrescentar à sua remuneração o recebimento de bichos dobrados. O vice de futebol tem direito a 100% dos bichos distribuídos ao elenco profissional, e além disso recebe valores pré-determinados para cada competição em caso de título. A Copa do Brasil de 2018 lhe rendeu R$ 600 mil. O Campeonato Mineiro de 2019, mais R$ 200 mil. Os valores escalam conforme a importância da competição.
A soma da entrada paga em fevereiro, dos salários durante todo 2018 e das premiações por títulos, no caso de Itair Machado, chega a R$ 3,3 milhões. O dirigente ainda teve direito aos bichos distribuídos ao elenco profissional, portanto o valor efetivamente recebido é ainda maior. De todo modo, a quantia representa média de R$ 275 mil por mês. De acordo com pesquisa feita pela auditoria e consultoria Ernst & Young em 2017, a remuneração média de um diretor de futebol de primeira divisão que receba como pessoa jurídica é de R$ 115 mil por mês.