O GLOBO
Esqueça as piadas politicamente incorretas de outros tempos. Nada de mé, camufla ou paraíba. Quarenta anos após estrear na TV Globo, onde se consagrou (o embrião do programa vinha de 1966, criado por Wilton Franco, na TV Excelsior), “Os Trapalhões” ganham uma nova leitura a partir do dia 17 no Canal Viva, com nove episódios.
À frente da atração estarão de novo os veteranos Didi (Renato Aragão) e Dedé (Santana).
Mas agora escalados para ensinar a arte de ser um Trapalhão aos novatos Didico (Lucas Veloso), Dedeco (Bruno Gissoni), Mussa (Mumuzinho) e Zaca (Gui Santana). O programa será composto por diferentes esquetes, que irão misturar situações atuais e inéditas com quadros clássicos, como as reuniões de super-heróis, o quartel-general e as sátiras musicais que ainda hoje fazem a alegria de novos e marmanjos espectadores no YouTube.
Com direção geral de Fred Mayrink, redação final de Péricles Barros e supervisão de texto de Mauro Wilson, “Os Trapalhões” serão exibidos pela Globo em setembro.
Aos 82 anos, em sua casa, na Barra da Tijuca, Renato Aragão fala sobre o resgate do humor, ora ingênuo, ora malandro, que marcou o grupo. E esclarece o novo tom do programa :
— O Brasil mudou. E o humor também.
Inspirado num dos mais queridos Trapalhões — Mussum, eternizado por Antônio Carlos (1941-1994) e seus bordões, como “cacildis” — o personagem Mussa, por exemplo, não será mais um sujeito bom de copo.
— Hoje não pode, não — diz Renato, que não pretende se aposentar tão cedo e já anuncia sua biografia para outubro e um filme novo para o ano que vem.
De quem foi a ideia do retorno de “Os Trapalhões” ?
Partiu do (diretor) Ricardo Waddington. Ele me ligou e disse : “Renato, a gente quer repescar ‘Os Trapalhões,’ que foi sucesso na TV e continua sendo na internet”. Ele queria fazer “Os Trapalhões” new generation. Eu disse que o grupo era insubstituível. Não daria. Mas ele explicou que eu e Dedé estaríamos ao lado de quatro novos Trapalhões. Não era para ser substitutos, mas imitadores. Ele foi falando e acreditei. Depois, entregou o projeto para nós criarmos.
Que cuidado é preciso ao revisitar um clássico ?
A rejeição poderia ser forte se fosse um novo Mussum ou Zacarias. Como vai substituir o Mussum ? Mussum é Mussum ! Seremos um sexteto, para não ter problemas com os fãs. Didi, Dedé, Didico, Dedeco, Mussa e Zaca. Nego do Borel vai fazer o Tião Macalé. Será uma homenagem para comemorar os 40 anos do programa na Globo.
Você e Dedé serão mestres Trapalhões. Como é isso ?
No programa, Didi e Dedé estavam tranquilos na vida, mas descobrem que terão que ensinar os novos Trapalhões.
“Os Trapalhões” faziam piadas em cima de minorias, como gays e negros. Como é fazer humor em 2017 ?
O Brasil mudou. E o humor também. Eram outros tempos. A sociedade evoluiu, as pessoas conquistam seus espaços de direito. Não tem mais isso. Esquece. Temos que respeitar. Para a gente também não interessa fazer humor político, nem fazer graça em cima das pessoas, falar de negro, de pobre, de gordo, de magro... Eu mesmo posso ser discriminado. Sou nordestino, poderia ser o paraíba. É mais difícil fazer humor hoje em dia ? Para mim, não ! Sempre fiz o Didi. Ele é um cara livre, que vive do que ocorre em torno dele. Não precisa do cenário político, nem de nada. Ele nem sabe o que é isso. Didi quer viver o dia de hoje como se não houvesse amanhã. Sou uma pessoa quieta, inibida para muitas coisas, respeitador de tudo. Às vezes assisto aos programas antigos e penso: “Como tive coragem de fazer aquilo ?”. Didi nem sabe o que é lei. Ele quer ser feliz. Por isso é querido até hoje. Didi representa muito do povo brasileiro.
Você passou dos 80 anos sem parar de trabalhar...
Minha idade cronológica é diferente da minha real, cara. Mas quem se aposenta se acaba. Há dias em que acordo e penso que já fiz muita coisa. Segundos depois penso nos próximos projetos. Eu me preservo muito. Não como carne, gordura, fritura, doce... Para equilibrar tudo, vivo quase todo dia na esteira, correndo ou andando apressado por 30 minutos.
E o que mais planeja fazer ?
Estou lotado de trabalho. Uma das coisas que mais queria realizar, o quanto antes, era minha biografia. Já está pronta, foi escrita pelo jornalista Rodrigo Fonseca. Será lançada em outubro. Terá 360 páginas e trará coisas que nunca declarei. Também vou rodar um filme novo, “Didi e o fantasma do teatro”, para lançar no ano que vem.
Você estreou no teatro aos 79 anos com “Os Saltimbancos Trapalhões — O musical”. O que não fez e ainda falta ?
Tenho muito projeto. Não posso revelar ainda, mas é uma coisa que vai surpreender. Algo no YouTube, de repente ? Nem sei o que é isso, mas é por aí (risos). Com a internet, você pode fazer muitas outras coisas. Mas sem perder meu foco na TV e no cinema.