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O presidente da Netflix, em entrevista a este jornal há quase três anos, reclamava da Globo. Diferentemente de Disney, NBCUniversal, WarnerMedia e outros, “eles não licenciam conteúdo para nós”, dizia Reed Hastings.
Com o tempo, os estúdios é que mudaram de postura. Os três estúdios citados se preparam para lançar serviços próprios de streaming e começaram a tirar as produções da Netflix.
O Disney+ estreia em novembro e vem resgatando desde janeiro muito do que havia de suas marcas, inclusive Marvel, da agora concorrente.
Líder da resistência na Globo, o executivo Alberto Pecegueiro diz que hoje Hollywood admite ter criado um “monstro”.
A chegada da Netflix comprando direitos, lembra ele, “parecia um negócio da China, uma receita nova num momento em que os grandes estúdios estavam em xeque com o ocaso do DVD, que representava metade da margem”.
Mais até com a invenção quase acidental do “binge-watching” encadeando episódios sem pausa, as temporadas iniciais das séries, então esquecidas nos acervos, passaram também a gerar receita.
Agora perdendo conteúdo, a Netflix responde acelerando a produção própria, com sucessos como “Stranger Things”.
Mas o novo cenário não aponta um caminho fácil, dizem consultores estrangeiros e brasileiros.
No caso da Netflix, as preocupações se voltam para o impacto não só sobre o catálogo, mas também sobre as finanças.
Segundo levantamento da Nielsen, dos dez programas que mais consumiram o tempo do telespectador da plataforma no ano passado nos Estados Unidos, oito eram velhas temporadas de séries. O mais popular de todos no período foi “The Office”, que deixou de ser produzido há seis anos.
Na temporada americana encerrada em julho de 2018, segundo a Nielsen, “The Office”, da NBCUniversal, somou 46 bilhões de minutos vistos na Netflix, “Friends”, da Warner, chegou a 32 bilhões, e “Stranger Things”, 28 bilhões.
O problema adicional é que a série “original” da Netflix concentrou a sua audiência nos meses de outubro, quando foi lançada a segunda temporada, em novembro e dezembro. Já as outras duas se distribuíram de maneira equilibrada pelos 12 meses.
O contrato de licenciamento de “The Office”, assinado pela Netflix com a NBC Universal, vai até o final do ano que vem e não será renovado. Deve ser transferido para o serviço da própria produtora, agora parte do gigante de telecomunicações Comcast.
A resposta da Netflix foi investir mais em produção, inclusive diversificando geograficamente, por exemplo, com um estúdio no Reino Unido que será aberto em outubro.
O problema é que também ela tem um limite de gastos. Sua dívida, acrescida de US$ 2 bilhões em abril para as novas inversões, passa agora dos US$ 12 bilhões. Para este ano, sua previsão é de um fluxo negativo de US$ 3,5 bilhões.
O site The Information noticiou nesta semana que em junho o diretor de conteúdo da Netflix, Ted Sarandos, reuniu seus executivos para uma ordem que até então desconheciam : “Sejam mais cuidadosos com dinheiro”. Cobrou produções que tragam audiência, e não indicação a prêmios.
Ao menos um consultor ouvido disse que, se a pioneira do streaming começar a ganhar menos assinantes, com a entrada das concorrentes, haveria risco até para a viabilidade.
Mas a Netflix também tem seus trunfos, para o que foi apelidado de “streaming wars”. Um deles é que muitos contratos de licenciamento que assinou, quando os principais estúdios ainda não pensavam em criar serviço próprio, são de longo prazo.
Séries ainda em produção e de grande audiência na Netflix americana, como “Grey’s Anatomy”, da Disney, ou “Supernatural”, da Warner, estão licenciadas para três anos ou mais após o fim da produção.
Em filmes, a Disney teria fechado que aqueles feitos por ela nos últimos três anos, até dezembro de 2018, estarão disponíveis na Netflix a partir de meados da década seguinte —e vetados em seu Disney+.
Um trunfo paralelo, citado por um consultor americano, é que não são todas as produtoras, afinal, que estão retirando as suas atrações.
De todo modo, a Netflix corre contra o tempo contra o rombo, inclusive no Brasil.