Depois do sucesso de “Mulher Maravilha” no início do ano, a parceria DC Comics - Warner apostou todas as suas fichas — um investimento de US$ 300 milhões — em “Liga da Justiça”, que chega aos cinemas hoje, aproveitando o feriado.
A aguardada sequência de “Batman vs. Superman — A origem da Justiça” começa onde o filme anterior de Zack Snyder terminou, em 2016 : com o mundo em choque pela morte do Super-Homem (Henry Cavill), um certo Bruce Wayne (Ben Affleck) decide criar a Liga da Justiça, clube com sócios como Mulher-Maravilha (Gal Gadot), Aquaman (Jason Momoa), Flash (Ezra Miller) e Cyborg (Ray Fisher).
Juntos, eles tentam salvar o planeta de uma ameaça apocalíptica, enredo não muito diferente do já apresentado pela Marvel em “Os Vingadores”.
A comparação fica ainda mais direta quando se sabe que, após o suicídio de sua filha de 20 anos, Zack Snyder passou o bastão da direção do filme, já em fase de finalização, para Joss Whedon, justamente o responsável por levar para a tela grande o grupo de heróis da rival.
— Sabíamos que os paralelos seriam inevitáveis — diz Jason Momoa. — Mas quem sabe o futuro seja uma parceria Marvel-DC-Estúdios para os fãs conseguirem ver um dia o Hulk e o Aquaman brigando debaixo d’água ? São universos que poderiam se interpenetrar, para além de qualquer rivalidade ridícula.
Se J.J. Abrams pode dirigir "Star Trek" e "Star Wars", Josh era a escolha certa para migrar de “Vingadores” para a “Liga”, num momento que Zack precisava de ajuda.
Uma das primeiras decisões de Snyder, seguida à risca por Whedon, foi que “Liga da Justiça” deveria investir sem medo no humor.
Pouco após o anúncio de que os heróis da DC finalmente se reuniriam no cinema, fãs iniciaram uma petição para Snyder ser afastado da direção por conta de seus dois filmes anteriores com o Super-Homem. A reclamação mais constante era pela enorme quantidade de cenas de ação num cenário muito mais sisudo do que o das HQs.
— Isso tudo me fez reavaliar a franquia e o que eu queria de fato dizer com meus filmes — reconheceu o diretor pouco antes de iniciar as filmagens de “Liga”.
Pois desta vez um mundo em vias da destruição não impede tiradas engraçadas e um namoro mais ou menos declarado com o kitsch.
É como se os diretores deixassem claro que a história é tanto para os fãs das HQs quanto para quem passou a infância diante da TV acompanhando o desenho animado “Super amigos”, exibido nos quatro cantos do planeta nos anos 1970 e 1980.
Mas a maior mudança mesmo é com o Batman de Ben Affleck. Esqueça Frank Miller, pense em Dashiell Hammett (1894-1961), recomenda o ator de 45 anos, que se explica :
— É que este Batman não é mais exatamente um cavaleiro solitário. Ele se torna algo como um líder dos superheróis. Há um investimento maior na porção detetive de Bruce Wayne. Ele é menos ensimesmado e, por necessidade, um pouco mais gregário. E usa e abusa de seu humor sardônico. Ben Affleck diz que o filme “não é biscoito da sorte, com mensagem dentro”, mas reflete sobre os temas presentes na produção :
— No universo do entretenimento, com suas limitações e possibilidades, tratamos da importância do multilateralismo e de sermos mais fortes quando unidos, trabalhando em comunidade. Neste momento, são valores que precisam ser lembrados, mesmo num filme de super-heróis.
Também se fala de meio ambiente, inclusive numa conversa pseudofilosófica entre Batman e Aquaman sobre o estado dos oceanos e o renascimento de espécies da flora marinha.
— É bom lembrar que, na vida real, não temos super-heróis para resolver o problema. Só há supervilões — alfineta Ben Affleck.
O Aquaman do cinema, aliás, não é louro como o dos quadrinhos ou do desenho animado. Com o corpo coberto de tatuagens, o herói aquático, que ganha seu primeiro filme solo em 2018, parece mais um certo Khal Drogo, interpretado pelo próprio ator em “Game of Thrones”.
Em Hollywood dá-se como certo que o investimento em projetos futuros da DC depende do sucesso da “Liga”. Após uma série de filmes destruídos pela crítica, “Mulher-Maravilha” finalmente pareceu indicar que a empresa não estava condenada a ser o patinho feio das adaptações de super-heróis para o cinema. E uma das razões foi justamente o sucesso da personagem que a israelense Gal Gadot conseguiu encarnar.
— A “Liga” é uma espécie de hora do recreio, quando a gente brinca junto, mas pensando o tempo todo em como esses momentos nos moldarão nos filmes que vêm por aí — conta a atriz.
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A DC, enfim, simplificou. Em “Liga da Justiça”, a tentativa de se abordar grandes temas foi abandonada e deu lugar à boa diversão. A pretensão ficou para trás, restando uma aventura típica de heróis, com direito a uma química razoável entre os personagens, uma ou outra boa piada e alguma esperança de que Superman (Henry Cavill), Batman (Ben Affleck) e o resto da turma se manterão nos trilhos nas próximas produções.
A comparação com os antecessores é inevitável, sobretudo porque “Batman vs. Superman : A origem da Justiça” (2016) foi uma tragédia nuclear. Ambos foram dirigidos por Zack Snyder, um diretor que costuma impor seu estilo às histórias — vide “300”, “Watchmen” e “O homem de aço”.
Desta vez, contudo, o tom sombrio de Snyder foi atenuado. No início, “Liga da Justiça” ainda sugere a possibilidade de um caminho político — há uma cena com um radical chutando a banca de uma quitanda de uma mulher com véu, e outra em que a Mulher-Maravilha (Gal Gadot) enfrenta terroristas. São momentos curtos, que, apesar de mal explorados, servem para inserir a trama nos dias atuais.
O que permanece é a construção das personalidades dos heróis, com destaque positivo para o Flash (Ezra Miller, responsável pelos momentos cômicos da história) e o Aquaman (Jason Momoa, uma grata surpresa).
“Liga” ainda não é equilibrado e contundente como são alguns filmes com os personagens da Marvel, a editora que concorre com a DC na paixão nerd.
O vilão, por exemplo, o tipo de personagem que a gente tem certeza de que será derrotado no fim.
Também fica a sensação de que o clímax se assemelha demais a “Os Vingadores”, do estúdio concorrente.
Mas só de se ver essa gente toda de uniforme exibindo seus poderes de um jeito decente já vale cada tentativa de se falar Mxyzptlk de trás para frente.