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Dezenas de médicos cubanos que trabalham no exterior para ganhar dinheiro para suas famílias e seu país estão recorrendo à Justiça para romper com o governo cubano, e exigem ser liberados daquilo que um juiz já definiu como "uma forma de trabalho escravo".
Milhares de médicos cubanos trabalham fora de seu país, sob contrato com as autoridades de Cuba.
Países como o Brasil pagam ao governo de Cuba milhões de dólares por mês pelo fornecimento dos serviços médicos, o que na prática faz dos médicos a mais valiosa exportação cubana.
Mas ele recebem apenas uma pequena fração do dinheiro pago por seus serviços, e mais e mais dos profissionais de saúde cubanos que trabalham no Brasil estão começando a se rebelar.
Nos últimos 12 meses, pelo menos 150 médicos cubanos abriram processos em tribunais brasileiros para contestar o arranjo, exigindo ser tratados como prestadores de serviços independentes e ganhar salários completos, em vez de como agentes do Estado cubano.
"Quando você sai de Cuba pela primeira vez, descobre muitas coisas sobre as quais era cego", disse Yaili Jiménez Gutierrez, uma das médicas que abriram processos. "Chega a hora em que você se cansa de ser escravo".
Por décadas, artistas e atletas cubanos aproveitaram suas viagens ao exterior para desertar, a maioria deles na direção dos Estados Unidos. Mas os processo abertos no Brasil representam uma rebelião incomum que toma por alvo um dos programas mais emblemáticos do regime cubano.
Enviar médicos ao exterior é não só uma forma de gerar receita de que Cuba necessita muito como também ajuda a promover a imagem do país como uma potência no ramo da medicina, sempre disposto a ajudar o mundo.
O futuro desses médicos agora depende dos tribunais brasileiros. As decisões dos processos vêm sendo contrárias aos médicos, até o momento, mas alguns juízes se alinharam com eles, permitindo que os médicos prestassem serviços por conta própria e recebessem pagamentos diretamente.
A contestação dos médicos os coloca em risco de sérias repercussões junto ao governo cubano, entre as quais se verem impedidos por anos de retornar à ilha e às suas famílias.
O governo brasileiro, que fechou um acordo com Cuba em 2013 para o fornecimento de médicos que trabalhariam em partes subatendidas do país, está recorrendo das decisões nos casos em que os médicos venceram, e acredita que sairá vitorioso.
"Não há injustiça", disse Ricardo Barros, o ministro da Saúde brasileiro. "Quando eles assinaram para o trabalho, aceitaram os termos de seus contratos".
O Brasil paga a Cuba cerca de US$ 3,62 mil ao mês por médico, ou cerca de quatro vezes o que os médicos cubanos envolvidos ganham com o arranjo.
Cerca de 18 mil médicos cubanos passaram pelo Brasil para períodos de trabalho, e cerca de 8,6 mil deles continuam no país.
A ONU classifica o programa como uma história de sucesso, apontando que ele ajudou na redução da taxa de mortalidade infantil brasileira e ampliou a assistência médica a comunidades indígenas.
"O Projeto Mais Médicos pode ser copiado e tem o potencial de beneficiar outros países que decidam adotá-lo", afirmou o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas em relatório publicado no ano passado.
Mas alguns médicos cubanos argumentam que, caso isso aconteça, seria a perpetuação de uma injustiça.
Logo depois de chegarem a Santa Rita, um povoado pobre no Estado do Maranhão, Álvarez e seu marido começaram a se sentir incomodados com os termos do acordo que haviam assinado, especialmente depois de fazerem amizade com médicos de outros países.
"Começamos a ver que as condições eram totalmente diferentes para outros médicos", ela disse. "Eles podiam viver com suas famílias, trazer os filhos. Os salários eram muito mais altos".
Os médicos cubanos insatisfeitos com sua situação formaram um grupo no WhatsApp. André de Santana Corrêa, um advogado brasileiro, diz que seu smartphone começou a zumbir constantemente com as mensagens enviadas por médicos cubanos espalhados pelo Brasil, pedindo sua ajuda.
Depois de analisar os contratos deles, Santana chegou à conclusão de que os contratos contrariavam as cláusulas de igualdade da constituição brasileira.
No final do ano passado, juízes brasileiros concederam liminares em alguns casos, concedendo aos médicos cubanos o direito de continuarem trabalhando no Brasil como prestadores autônomos de serviços, embolsando todo o valor pago originalmente a Cuba.
Um juiz federal de Brasília reprovou os contratos com os cubanos como "uma forma de trabalho escravo" que não podia ser tolerada.
Mas o juiz federal que julgou o caso de Grana decidiu contra ela, afirmando que permitir que os médicos cubanos abandonem seus contratos causaria "riscos indevidos nas esferas política e diplomática".
Pouco depois de as primeiras liminares serem concedidas, supervisores cubanos no Brasil convocaram os médicos que haviam aberto processos e os demitiram na hora, de acordo com diversos médicos. Foi-lhes oferecida a escolha de tomar um avião de volta a Cuba em 24 horas – ou enfrentariam oito anos de exílio.
As autoridades cubanas não responderam a pedidos de comentários, mas um post na página de Facebook da Brigada Médica cubana inclui uma referência indireta à controvérsia.
"Muitos de nós parecem ter esquecido o contrato que assinamos ao embarcar nessa missão", o post afirma. "É por isso que surgem fraquezas e erros que começam a erodir os valores dignos com que nossos pais nos criaram".
Álvarez e o marido estiverem entre os poucos felizardos que puderam manter seus empregos e receber o equivalente a um imenso aumento de salário. Eles também conseguiram trazer os filhos para o Brasil.
"É triste deixar a família e os amigos em nosso país natal", ela disse. "Mas aqui estamos em um país onde você é livre, onde ninguém pergunta aonde você está indo ou lhe diz o que fazer. Em Cuba, sua vida é ditada pelo governo".
Santana, o advogado, diz que ele espera que o Supremo Federal Brasileiro aceite julgar a questão. Mas porque o mais alto tribunal do Brasil tem um acúmulo muito grande de processos a julgar, uma decisão definitiva pode demorar anos.