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O Canadá tornou-se na quarta-feira o segundo país a legalizar a produção, a venda e o consumo de maconha para fins recreativos. O pioneiro foi o Uruguai, onde essa legislação entrou em vigor há quase cinco anos. Ao justificar a iniciativa, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau explicou o espírito da campanha. “Tem sido muito fácil para nossas crianças adquirir maconha — e para os criminosos colher os lucros”, escreveu ele no Twitter em meados deste ano. De fato, o Canadá é um dos países em que os jovens experimentam a Cannabismais precocemente. Entre os que têm de 11 a 15 anos, cerca de 30% afirmam ter provado a erva (no Brasil, esse índice é de 8%).
Como já havia permissão de venda da maconha para fins medicinais, uma parte da produção legal acabava sendo desviada para o mercado negro e para os jovens. Mas isso não era suficiente. Para atenderem à demanda, grupos ilegais montaram diversas plantações hidropônicas, capazes de gerar uma maconha de alta qualidade. O país hoje é autossuficiente e até exporta a droga para os Estados Unidos. Entre as organizações que operam no Canadá estão a máfia chinesa, os cartéis mexicanos e as gangues locais.
Legalizar uma droga para diminuir seu consumo parece um contrassenso, mas no Canadá pode até dar certo. O país tem um histórico bem-sucedido em fiscalizar a venda de bebidas alcoólicas e de cigarros a menores de idade. Nos supermercados, é impossível achar vinho ou cerveja. Essas bebidas só estão disponíveis em mercearias. “Ao contrário do que acontece no Brasil, nós temos restrições muito fortes à venda de álcool. Esse ponto, aliás, é um dos motivos por trás da popularidade da Cannabis entre os jovens, pois ela acabou crescendo como uma droga substituta”, diz o canadense Benedikt Fischer, professor de psiquiatria da Universidade de Toronto e um dos que aconselharam os deputados a escrever a nova regulamentação. A lei impõe a idade mínima de 18 anos para a compra de maconha, mas as províncias poderão subir a barreira se quiserem.
Para combater o crime organizado, o governo deu permissão a 120 empresas para plantar maconha. O modelo econômico adotado fica a meio caminho entre o estatismo uruguaio e o liberalismo americano. No Uruguai, a interferência estatal é enorme. O governo só autorizou duas empresas a cultivar a Cannabis e determina as variedades, o teor do princípio ativo (THC), o preço e até o que vai escrito no rótulo. Intencionalmente, a droga tem pouco THC, já que o objetivo é desincentivar o uso. Já nos nove estados americanos que legalizaram a droga, existem mais de 1 500 plantadores, e a maconha é vendida nas mais diversas formas, como cerveja, hambúrguer, comprimidos, bolos e refrigerantes.
Um tópico que tem perdido importância no debate é o da segurança pública. “Há muitos crimes que não têm nada a ver com a maconha. A legalização não é uma panaceia, uma solução mágica”, diz o cientista político americano Bruce Bagley, da Universidade de Miami. Se a questão surgiu no Uruguai como uma solução para a criminalidade, a relação entre as duas coisas ficou nebulosa. “Os homicídios aumentaram, mas isso se deve mais à disputa entre os criminosos por cocaína e crack”, explica o sociólogo uruguaio Marcos Baudean, da Universidade ORT, em Montevidéu. Nos estados fronteiriços americanos, notou-se uma redução de até 15% nos crimes violentos após o início da onda de legalização, porém a fórmula não é replicável. “Essa diminuição só aconteceu porque havia uma associação muito forte entre o crime organizado e a maconha. Mas a realidade do Canadá é distinta”, afirma o sociólogo japonês Takuma Kamada, um dos autores do estudo sobre os efeitos no crime nos Estados Unidos. Com uma taxa de dois homicídios a cada 100 000 habitantes, a criminalidade não é uma grande preocupação no Canadá (no Brasil, são trinta mortes em 100 000).
Poderia ser a legalização uma solução viável para o Brasil? “Em geral, os defensores da ideia têm minimizado os riscos para a saúde, principalmente para o cérebro dos adolescentes”, diz a psicóloga Clarice Sandi Madruga, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Quanto mais cedo a maconha é provada, maiores são as sequelas de longo prazo para o raciocínio e para a tomada de decisões. Nos Estados Unidos, a legalização diminuiu a idade da primeira tragada. No Canadá, é possível que o efeito seja o oposto. Mas no Brasil isso parece inteiramente inviável. “Nem sequer conseguimos impedir que os menores peçam bebidas alcoólicas”, diz Clarice.