https://oglobo.globo.com/opiniao/editor ... asil.ghtml
É preciso reconhecer que o governo está certo ao querer acabar com a sonegação na compra de mercadorias importadas de sites asiáticos como Shein, Alibaba ou Shopee.
Não dá mesmo para aceitar a concorrência desleal de empresas que não pagam impostos com aquelas que operam dentro da lei.
Mas as medidas formuladas para deter as artimanhas usadas para driblar a fiscalização, anunciadas com um misto de estardalhaço e trapalhada, levantaram uma discussão bem mais relevante : as alíquotas escandalosas dos impostos no Brasil.
Embora o governo diga que o imposto sobre a importação equivale a 60% do valor do produto, a realidade não é bem assim. Os 60% incidem sobre o valor acrescido de frete, seguro e outros elementos — em alguns estados, do ICMS.
Como mostrou reportagem do GLOBO, em São Paulo ou no Rio de Janeiro uma blusa importada de R$ 20 pode sair por quase R$ 56, 180% mais cara que o valor anunciado (com 95% em impostos, que incidem também sobre o custo do frete).
Isso se os bens não custarem mais de R$ 3 mil. Aí são obrigados ainda a pagar IPI, PIS, Cofins, sobre os quais incidirá a taxa de importação.
A ciência econômica ensina há séculos que deve haver um nível ótimo de taxação, que maximiza a arrecadação do governo sem criar aberrações para o contribuinte.
Alíquotas altas demais, como as cobradas no Brasil, incentivam indiretamente a sonegação e o contrabando, impondo um custo adicional para combatê-los, exatamente como o governo federal tenta fazer agora.
O resultado é óbvio : com impostos tão altos, o empresário tenta repassar esse custo ao consumidor, e o brasileiro paga mais caro por tudo.
Em 2010, uma capa da revista Época já questionava : “Por que tudo é tão caro no Brasil ?”. Ao comparar preços e níveis de taxação de produtos tão distintos quanto carros, celulares, geladeiras, camisas e batatas fritas em 13 países, a reportagem chegou a uma resposta simples: “impostos, impostos e mais impostos”. Naquele tempo, eram frequentes casos de brasileiros que saíam do país para fazer as compras mais básicas, como enxoval para recém-nascidos. De lá para cá, a única mudança é que essas compras passaram a ser feitas em sites asiáticos. Na comparação internacional, os preços e os impostos cobrados no Brasil continuam em níveis absurdos.
Para o governo, seria perfeitamente possível aumentar a arrecadação de outras formas, taxando de modo mais racional, com alíquotas mais civilizadas. Infelizmente, a reforma do caos tributário brasileiro, para acabar com cobranças em cascata e impor percentuais mais justos, nunca foi levada a sério entre os parlamentares.
Mais fácil adotar medidas demagógicas e puxadinhos de conveniência, como regimes especiais de taxação ou isenções destinadas a grupos de interesse que têm força de pressão no Congresso.
O governo faz bem em combater a sonegação. Faria melhor se conseguisse se colocar no lugar do cidadão, obrigado a pagar mais caro por tudo em razão da sanha arrecadatória e de um sistema de impostos irracional.
Se há uma lição a tirar das trapalhadas do episódio dos sites asiáticos, é a urgência de uma reforma tributária que seja capaz de tornar os produtos e serviços brasileiros mais competitivos.