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Voltar a jogar futebol ainda é uma meta distante para
Rogério Ceni.
Em recuperação da
pior lesão da carreira, tudo que o goleiro deseja é poder pegar suas filhas (Beatriz e Clara) no colo e conseguir dormir sem ter de usar três ou quatro travesseiros.
Limites que a
cirurgia no ombro direito, realizada no dia 27 de janeiro, ainda o impõe.
O maior ídolo do São Paulo recebeu o LANCE! no CT da Barra Funda com aparente serenidade, que esconde o incômodo por estar longe de poder defender o time do coração.
Apesar da “monotonia” fora dos gramados, 2012 ficará na memória como um ano intenso. Em menos de três meses, a operação, o início da recuperação e as visitas a Barcelona e Real Madrid, onde se aproximou de Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Pep Guardiola e José Mourinho, entre outros.
No segundo semestre, além de voltar ao seu lugar,
Rogério Ceni terá de decidir se encerra a carreira em dezembro, ao término do contrato,
ou renova por mais um ano. A permanência é condicionada ao desempenho do São Paulo e como voltará após a lesão no ombro.
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Jamais vou aceitar renovar pelo que fiz nos últimos 21 anos. Só renovo se tiver condições plenas de exercer bem minha função.
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Ao contrário das outras lesões, há pouco a fazer para antecipar a volta. É um exercício de paciência na vida ?
Tive três artroscopias no joelho, o tornozelo (esquerdo, operado em 2009) era uma coisa óssea. O ombro é uma experiência nova, não me lembro de outro caso. Hoje,
falta muito para ficar bom. Não consigo pegar minha filha no colo, nadar... É muita limitação física para quem é elétrico. Mas o dia passa voando no CT. Só de correr no campo já é diferente. Daqui a algumas semanas, só correr vai encher o saco, mas me sinto mais livre.
Você se preocupou em se informar sobre a lesão ?
Quando fiz a ressonância e acusou problema no lábrum, eu nem sabia o que era lábrum. Pesquisei na internet e os sintomas eram muito claros de cirurgia. Consultei dois especialistas e eles tiveram convicção de que, para fazer esporte de alto rendimento, seria necessária. Eu não conseguia levantar totalmente o braço, mas não tinha conhecimento algum do assunto.
E como fica sua parte psicológica com essa recuperação, já que em 2009 você voltou bem antes do previsto após operar o tornozelo ?
O protocolo daquela lesão era de seis meses e reduzimos a 128 dias. Essa não vejo como baixar.
Acredito que a volta será de cinco a sete meses, entre meio de julho e começo de agosto. Com 36 anos já era difícil lidar com a situação, com 39 é ainda mais. Tenho contrato até dezembro e
espero usufruir o máximo possível da minha profissão em condições ideais. Mas
o ombro fala por si só.
É tão pequena a evolução que não noto diariamente. Ganho um ou dois centímetros de amplitude por semana, só que ela demora para passar. É muito complicado.
É a pior dor da carreira ?
Sem dúvida. Até hoje durmo mal, tomo remédio para aliviar a dor. Durmo com o corpo inclinado em 35, 40 graus. É melhor dormir sentado, só que não descanso tão bem. No começo dormia mais sentado. Agora fico deitado até cinco, seis horas. Aí incomoda, coloco três ou quatro travesseiros.
A dor é chata mesmo.
Recentemente você foi à Espanha, visitou Real Madrid e Barcelona. Já pensava em agregar conhecimentos que te ajudem numa nova função, quando parar de jogar ?
A viagem estava programada para dezembro, ao final do contrato, independentemente de renovar. Aproveitei para ganhar esse tempo. Lógico que foi para agregar alguma coisa que possa ser útil para mim e o São Paulo. Não sei em que função, mas possam ser usadas no futuro.
Agregou algo como goleiro ?
O Real Madrid tem um trabalho muito parecido com o nosso em treinamento de goleiros. Até gravei alguma coisa, o Mourinho me permitiu. No Barcelona muda um pouquinho a característica, mas coisas fáceis de serem implantadas.
A receptividade surpreendeu ?
Fui recebido como se fosse aqui. Muito por conta do Kaká, que é muito querido e conseguiu essa oportunidade. O Mourinho me recebeu super bem, conversei muito com ele, os jogadores foram solícitos. Ver o pessoal reconhecer seu trabalho na Europa, saber quem você é, o que você faz, onde nunca joguei, foi a parte mais legal. Adquiri conhecimentos bacanas, observei conceitos, conheci centros de treinamento muito legais. O preparador de goleiros do Real Madrid também é português, teve paciência, conversamos durante horas.
Conheceu Messi e Cristiano Ronaldo ? Como foi o contato ?
O Messi estava com o Mascherano, mas fiz questão de dar os parabéns porque é, disparado, o melhor jogador do mundo, fora de série. E o Cristiano foi muito simpático, é um cara vibrante. No treino, o Kaká fez um gol e o Cristiano comemorou mais que ele. Quer ganhar sempre, extremamente competitivo. Merecem ser os melhores do mundo.
Mourinho e Guardiola são rivais. Identificou-se com algum ?
São extremamente diferentes, jovens (Mourinho tem 49 anos, e Guardiola 41) perto de gente mais velha que vemos treinando no futebol. E querem a bola. Principalmente no Barcelona, é o principal conceito de jogo. São excelentes treinadores, mas o time do Barcelona é especial. Você pode colocar seus conceitos em prática, mas ninguém tem Xavi, Iniesta, Messi, Aléxis Sánchez, Pedro, Fábregas, Thiago... Ninguém vai fazer o mesmo. E vi treinos no Real Madrid que não conhecia, de 45 a 90 minutos, mas de muita dinâmica e intensidade. Por isso o jogador europeu parece mais competitivo. Sou fã do Guardiola, estou lendo um livro dele. E o Mourinho me deu o dele, com dedicatória. São pessoas altamente competentes, fantásticas, do bem.
Não despertou um desejo de ser técnico ao conviver com eles ?
É cedo para falar disso,
só pensaria em exercer nova profissão, ligada ao São Paulo ou ao esporte,
depois que decidisse não jogar mais.
E você ensinou alguma coisa ?
Procurei perguntar porque minha cultura é diferente e era minha oportunidade de estar lá. Eles veem o dom do jogador brasileiro, diferenciado, mas mais lapidado e moldado quando pega uma equipe e uma linha de trabalho como essas. Ganha maior noção de conjunto.
Então concorda que o Neymar deveria ir logo para a Europa ?
Falam lá fora que o jogador brasileiro é mais respeitado numa Copa do Mundo quando atua num grande clube europeu. O futebol dele será muito mais reconhecido na Europa. Mas ele tem de fazer o que achar melhor para a vida e a carreira dele. O Santos é uma grande equipe, num futebol diferente.
Você se preocupa com o contrato, que vence no fim do ano ?
Absolutamente, estou tranquilo. Só não mais feliz pela lesão, mas nem sei como e quando será a volta. Quero me recuperar e estar em condições plenas de voltar à minha atividade. Sou extremamente consciente, feliz e agradecido por tudo que vem sendo feito por mim aqui.
Não poderia haver uma renovação antes de voltar ?
Se eu não estiver bem, jamais vou querer ter renovado contrato pelo que fiz nos últimos 21 anos.
Só renovo se tiver condições de exercer minha função. O São Paulo está completamente correto, seria injusto da minha parte cobrar renovação.
Quero ficar bom para ver se em julho, agosto, volto a atuar e tenho condições de manter bom nível. Em dezembro a gente volta a conversar e ver se é interesse meu e do clube.
Você conversa com o Lucas ?
Falo todo dia com o Lucas. Ele é alegre por si só. Acaba o treino, faz finalização, cabeceio, quer bater falta, pênalti. E ainda bem que ele é assim, porque às vezes tem jogador que acaba o treino, pega o carro e vai correndo para casa. Ele quer sempre aprender. É diferenciado e trabalhador. Vi gente indolente passar por aqui. Foi um prejuízo para ele e o São Paulo esse assunto (desentendimento com o técnico Emerson Leão) ter se tornado público. O torcedor tem de apoiar, ele é esse talento, individualiza e vai pra cima, mas também sabe tocar a bola. É achar equilíbrio no dia-a-dia.
Como foi a primeira semana como profissional sem Ricardo Teixeira na presidência da CBF ?
É verdade, depois de vinte e tantos anos, né... Cada um faz uma autocrítica e que a gente possa melhorar cada vez mais esse órgão importante para o futebol brasileiro.
Mas a saída dele é boa para o futebol brasileiro ?
O tempo vai dizer. Não vou fazer críticas a uma pessoa que acabou de se retirar. Tem seus feitos, suas conquistas, seus deslizes e cabe a cada cidadão avaliar. Não vou bater, criar tumulto.
Num órgão como a CBF, que comanda o futebol brasileiro, é importante ter renovação. Espero que seja benéfico especialmente aos clubes filiados à entidade, que possa haver uma proximidade e um benefício maiores.
Pelo mundo, vemos muitos ex-atletas dirigentes. Não acha que os brasileiros se omitem nisso ?
Mas é uma parte política, né ? Leonardo (dirigente do PSG-FRA) teria condições de ser presidente da CBF. Raí, Junior, Zico, Falcão, Toninho Cerezo, jogadores inteligentes, capacitados, com história. Poderiam ter participação mais ativa. Mas é uma posição muito mais política. É um sistema, é difícil para o jogador ser incluso. Alguns não se sujeitam e outros não têm oportunidade.