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Para nós, brasileiros, ele era o marido de Gisele Bündchen, um americano sempre enfiado num capacete prateado, colado a uma bola oval e que, de vez em quando, punha um coraçãozinho ou uma mãozinha em prece nas postagens da mulher no Instagram. Hoje, sabemos que Tom Brady, de 41 anos, é um dos mais completos quarterbacks da história do futebol americano, um nome incontornável a caminho do sexto título do Super Bowl, a grande final da NFL, a liga americana. Pela nona vez na carreira — a terceira consecutiva — ele brilhará na derradeira partida, marcada para este domingo, 3, em Atlanta, ostentando a já mítica camisa número 12 do New England Patriots, de Boston. E a esta altura já podemos dizer, como sempre souberam os torcedores americanos que o cultuam como a Muhammad Ali ou Michael Jordan, que Gisele é a mulher de Tom Brady (ou talvez nem tanto : afinal, os seguidores globais da brasileira no Instagram chegam a 15 milhões; os dele ficam nos 5 milhões).
A descoberta da relevância de Tom Brady como um dos grandes nomes do esporte, aquele que se casou com a supermodelo, com quem teve dois filhos, é o sinal mais eloquente de um fenômeno recente, que começou a crescer há pouco menos de dez anos : a explosão do interesse do país do futebol pelo football.
Segundo levantamento do Ibope Repucom, instituto que avalia a popularidade de modalidades esportivas, existem pelo menos 16 milhões de pessoas no Brasil que são fãs das partidas da NFL. A audiência do futebol americano na ESPN, a emissora a cabo que transmite os jogos para o Brasil desde 1995, cresce à razão de dois dígitos há pelo menos cinco anos.
Nesta última temporada, o aumento bateu em 30% em relação ao campeonato do ano anterior. “Percebemos uma mudança de comportamento do telespectador, que agora acompanha um jogo da NFL como pretexto para encontrar amigos e parentes”, diz Fernando Julianelli, diretor de marketing da Mitsubishi, montadora de carros que patrocina as transmissões de futebol americano na ESPN desde 2012. “No início, nosso alvo era o homem que gosta de assistir a demonstrações de força, conceito que esse esporte traduz com precisão. Mas logo percebemos que as transmissões atingiam um público mais amplo.” Um levantamento recente informa que cerca de 1 milhão de brasileiras assistiram às partidas da NFL na temporada mais recente. “Pela complexidade do esporte, o fã do futebol americano é muito mais fiel, seja ele homem ou mulher”, diz a engenheira de sistemas paulistana Paula Ivoglo, de 35 anos, que há duas temporadas atua como comentarista dos jogos da NFL na ESPN . “Quando se conhecem a fundo as regras, os fundamentos do futebol americano, é difícil largá-lo.”
E quem gosta, gosta mesmo — é o que se percebe nas redes sociais, a porta de entrada e o farol de tudo o que hoje faz sucesso no mundo. Os brasileiros compõem a terceira maior comunidade virtual de futebol americano do planeta, atrás apenas de americanos, claro, e mexicanos. Esse movimento despertou a atenção da NFL, que desde 2015 publica conteúdo em português. Uma agência de marketing esportivo do Rio de Janeiro, a Effect Sport, foi contratada para fazer a curadoria desse conteúdo — o perfil da NFL voltado ao público brasileiro superou a marca de 260 000 seguidores. Não surpreende, portanto, o fato de o New England Patriots também ter contratado a Effect para produzir vídeos, fotos e postagens em um perfil no Instagram — o @patriotsbr tem mais de 40 000 seguidores e é de longe o time mais popular em território brasileiro.
A temporada de jogos vai de setembro a fevereiro e culmina no Super Bowl. Trata-se de um espetáculo à parte, a cereja do bolo que parece premiar os apaixonados pela NFL. A transmissão é impecável — os demais esportes bebem direto da NFL nos quesitos tecnologia de replays, gráficos e posicionamento de câmeras. As atrações musicais no intervalo do jogo são sempre espetaculares — neste ano, o show será do conjunto americano Maroon 5. O evento atrai centenas de milhões de espectadores ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, obviamente o maior mercado, divulgar uma peça publicitária de trinta segundos no Super Bowl — são dezenas de intervalos durante a transmissão — pode custar mais de 5 milhões de dólares. No universo brasileiro, em que a disputa é exibida apenas na TV paga, as cifras são evidentemente mais modestas. Mas a ESPN brasileira conseguiu esgotar todas as suas cotas de propaganda bem antes do apito inicial da partida.
O futebol americano no Brasil está ocupando uma trilha aberta com a decadência das lutas marciais do UFC, combalidas depois de tantos escândalos de doping e sucessivas derrotas de brasileiros. Não que o football seja imune às polêmicas. Existem relatos de violência doméstica, intolerância racial e trapaças. O New England Patriots e Tom Brady foram punidos, há quatro anos, com multa de mais de 1 milhão de dólares e outras sanções depois da descoberta de uma curiosa malandragem : eles murcharam levemente as bolas ovais de borracha de modo a facilitar seu manuseio durante as partidas. Obviamente, a artimanha, ainda que não prevista nas regras, era uma solução irregular.
Tudo somado, aberta a janela de oportunidade para o crescimento definitivo, talvez faltem ao telespectador brasileiro alguns pontapés. Um deles seria a realização de algum jogo da NFL no Brasil, como acontecerá no ano que vem em Londres e na Cidade do México. Mas já há conversas para trazer uma partida para cá. Outro acelerador seria a explosão de um conterrâneo que faça as vezes de estrela na diáspora, atraindo audiência e novos praticantes. Existe um candidato a ídolo : o kicker paulista Cairo Santos, atualmente no Tampa Bay Buccaneers, da Flórida. Apesar de ter passado longo período afastado do gramado, em virtude de recorrentes lesões, ele é referência e inspiração para os (poucos, porém ruidosos) praticantes do futebol americano no Brasil. “Minha trajetória pode servir de exemplo para outros jovens que tenham vontade de tentar a sorte nesse esporte”, diz Cairo. Ainda que faltem nomes de destaque nascidos pelas bandas de cá, sempre haveria o consolo de um quase brasileiro : o marido de Gisele.